Esta sexta-feira, 20 de novembro, é o Dia Nacional da Consciência Negra. Foi criado em 2003 a partir de lei nº 12.519, como uma homenagem ao Zumbi dos Palmares, líder do quilombo de mesmo nome, que reuniu mais de 30 mil fugitivos das senzalas. Por quase 20 anos, as autoridades tentaram destruir a aldeia, no qual só conseguiram em 1695.
Adonyara Azevedo, integrante do Quilombo Raça e Classe, comentou que embora houvesse a abolição há 127 anos, os resquícios daquela época ainda continuam. “A escravidão acabou, mas a exploração continua em outras facetas. Hoje ninguém tem coragem de dizer que somos mercadoria, porém temos os piores postos de trabalho na sociedade”.
Apesar disso, ela não escapou do preconceito. “Na minha adolescência, eu estudei com muito sacrifício em um colégio tradicional de Teresina (PI). Nas apresentações de dança e peças de teatro, eu era a empregada doméstica ou a prostituta. Em uma viagem para Salvador, quando tinha 14 anos, todos os meus colegas ficaram em quartos juntos. Fui a única criança dormir com uma professora e auxiliar de disciplina, que também eram negras. Além disso, a mãe de uma amiga minha não permitiu a amizade dela comigo e com outro amigo gay por alegar que não queria que a filha andasse com gente assim”.
O Rio Grande do Norte tem uma população 3,417 milhões de habitantes, no qual 1,856 milhões se consideram pardo e 170 mil negros, no qual 82 mil são homens, 88 mil são mulheres, 136 mil vivem nas regiões urbanas, mais precisamente nas periféricas, e 34 mil na região rural.
No Nordeste, a população de negros são 5.928.000. Somente 10,8% estão no Ensino Superior e 65,5% no supletivo. Dos 1.350.000 estudantes negros e pardos nordestinos, apenas 33,7% terminaram o curso e 6,6% estão fazendo uma pós-graduação.
O professor Lindemberg Araújo é uma exceção e está incluso nas estatísticas dos negros que terminaram um curso na faculdade. Formado em história, hoje ensina na cidade de Parnamirim e na rede estadual. Araújo, que também é integrante do Quilombo Raça e Classe, contou que era o único aluno de cor negra na sala e vem de uma família humilde. Seu avô era chamado de macaco pelo fato dele ter sido descendente de escravos de Touros.
“Minha família paterna tem por apelido “macaco”, ou seja, meu avô chamava-se José Macaco. Eu nunca compreendi isso. Achava que era o fato de meu avô ser, à época, comerciante de bananas. Não era isso, ele era descendente direto de escravizados dos antigos bangelôs de açúcar da região agrícola de Touros. Hoje eu compreendo tudo isso”, afirmou. Agora sei porque minha família se chama “macaco”, disse.
A falta de acesso à educação também traz outras consequências, ausência de infraestrutura, lazer e outras atividades socioeducativas. Promovendo assim o surgimento de áreas violentas nas grandes cidades. No Rio Grande do Norte 930 mortes foram por arma de fogo , instrumento utilizado em mais de 70% dos homicídios acontecidos no país.
Dessas 930 mortes, 712 mortes foram de negros. Dos 89 casos de homicídio de mulheres, 59 foram de mulheres negras. Isso quer dizer que a cada 100 mil habitantes do RN, 37,7 negros são assassinados.
“Minha forma de resistir a isso tudo é lutar contra o racismo. Infelizmente a maioria das pessoas que sofre racismo não têm a compreensão. Se vende a falsa ideia que a denuncia e o boletim policial, ou mesmo a denúncia na TV, vão acabar com o preconceito. Infelizmente isto não acontece”, lamentou o professor Lindemberg Araújo.
Para a estudante Luana Soares, membro do Movimento Mulheres em Luta, esses resultados mostram as consequências do racismo com a pobreza e precisa criar mais políticas públicas para acabar com este tipo de desigualdade.
“A gente sabe que o racismo exite quando olhamos para as penitenciárias, quando enxergamos o extermínio da juventude negra e pobre, como aconteceu no Ceará ou quando abrimos o Mapa da Violência 2015 e nos deparamos com o dado assustador de que a taxa de homicídio de mulheres negras aumentou 54,2% nos últimos 10 anos” disse a jovem.
Lindemberg, Adonyara e Luana relembraram que as pessoas deveriam aprender mais com o Zumbi e sua esposa Dandara, que conseguiram criar praticamente um reino formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras.
“Somos a maioria das favelas e periferias, onde o Estado nega saúde, educação e lazer, O racismo existe e é preciso levantar-se contra isso, assim como Zumbi e Dandara resistiram ao cativeiro”, argumentou Soares, que também defende a ideia de punições mais fortes contra este tipo de crime e a não extinção da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial.
“Mas, Lara, se fosse assim teria o dia do branco”. Não deveria ter essa segregação em pleno século XXI. Porém, a população negra de todo o mundo ainda paga (sim, ainda paga e de jeito nenhum está se fazendo de vítima) das consequências históricas, como a escravidão de negros da África mais os resultados pós-abolição dos escravos em toda América Latina. Contando com a falta de investimentos dos presidentes da República, o problema se tornou uma grande bola de neve, conforme ver os dados que foram apresentados neste texto.
“Se as pessoas tivessem consciência da sua origem e ver que ainda existe o racismo, o povo iria se manifestar e transformar a realidade”, comentou Adonyara.
Nos Estados Unidos, por exemplo, tem um feriado na terceira segunda-feira do mês de janeiro, que comemora o aniversário de Martin Luther King, que também foi um grande líder do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, e no mundo, com uma campanha de não violência e de amor ao próximo.
“Foram 350 anos de escravização, morte, estupros e todas as formas de desmoralização do povo negro não se apagam com uma simples afirmação. A Lei Áurea mal aboliu a escravidão. Após libertos o povo negro foi empurrado para os morros e periferias sem assistência dos governos. Não lhes foi dado acesso à educação, saúde, moradia e trabalho. Em síntese, homens e mulheres negros e negras no Brasil saíram da escravização para a marginalização”, comentou Lindemberg Araújo.
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