Dona Francisca (nome fictício) está sentada numa grande mesa de um shopping da cidade. Está bebendo o seu whisky de oito anos enquanto chama os visitantes para conversar com ela, que mora com a filha, o genro e os dois filhos, no qual apesar de conviverem no mesmo lar, eles não são amigos e muito menos tem uma boa relação de convivência. No entanto, ela ama os netos e gosta da presença dos adolescentes entre 15 e 18 anos, respetivamente. Ela chama-me para conversar na mesa, enquanto estava almoçando em frente a ela, começamos a conversar sobre diversos assuntos.
“Eu sempre venho aos domingos por aqui, pego o Táxi e almoço. Se eu não estiver aqui, é porque eu morri ou estou viajando. Embora não esteja muito, pois, os meus melhores amigos morreram recentemente. Além disso, eu sou viúva há 20 anos e ele era o grande amor da minha vida”.
Francisca contou que ela conheceu ao marido em torno dos 20 anos e era recém-formado em Medicina. Após a formatura, ele foi fazer uma residência médica em outro país, no qual chegaram a passar fome por conta da demora da bolsa. Depois, ele foi fazer mestrado e se tornou professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Após a vida feita e morando num bairro nobre da cidade do Natal, eles resolveram ter um filho, no qual o colocou na melhor escola e teve todas as condições que um jovem de Classe Média Alta de Natal tivesse.
“Eu tive uma única filha, fui mãe muito tarde. Por isso, eu só tive ela. Com 20 anos, ela conheceu o marido dela, se formou em Odontologia e eu tive dois netos. Você a conhece? Ela é uma dentista conceituada na cidade.”. Até hoje, ela guarda a carteira com a foto do seu então marido. “Essas foram as últimas fotos dele”.
Após a morte do marido, ela resolveu cuidar dela por conta própria. Apesar das dificuldades da velhice, ela reclama que quando as pessoas envelhecem, os veem como pobres coitados que não sabem fazer nada ou os ignoram completamente. Ela comentou que adora um feijão preto e um bom arroz, que “conhece todos os garçons do restaurante e sabe o nome de cada um”. Agora, ela chama um deles para perguntar se é verdade.
Por ela, ficava a tarde toda. Eu acabo o meu prato e depois me despeço da dona Francisca. Percebi que independente de ser classe média ou baixa, os idosos no Brasil são bastante abandonados. Não estou falando apenas em serem jogados no asilo, mas de que as pessoas não querem conversar “com gente velha”.
Isto é o resultado das últimas décadas, no qual surgiu uma geração de pais sem filhos presentes, por força de uma cultura de independência e autonomia levada ao extremo, que impacta negativamente no modo de vida de toda a família. Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem acompanhar os pais idosos ao médico, aos laboratórios. Irritam-se pelo seu andar mais lento e suas dificuldades de se organizar no tempo, sua incapacidade crescente de serem ágeis nos gestos e decisões.
A “justificativa” dos filhos é o trabalho, nova família ou estudos. Pais órfãos que não se negam a prestar ajuda financeira. Pais mais velhos que sustentam os netos nas escolas e pagam viagens de estudo fora do país. Pais que cedem seus créditos consignados para filhos contraírem dívidas em seus honrados nomes, que lhes antecipam herança. Mas que não têm assento à vida familiar dos mais jovens, seus próprios filhos e netos, em razão – talvez, não diretamente de seu desinteresse, nem de sua falta de tempo – mas da crença de que seus pais se bastam.
Este estilo de vida, nos dias comuns, que não inclui conversa amena e exclui a ‘presença a troco de nada, só para ficar junto’, dificulta ou, mesmo, impede o compartilhar de valores e interesses por parte dos membros de uma família na atualidade, resulta de uma cultura baseada na afirmação das individualidades e na política familiar focada nos mais jovens, nos que tomam decisões ego-centradas e na alta velocidade: tudo muito veloz, tudo fugaz, tudo incerto e instável.
Instalou-se e aprofundou-se nos pais, nem tão velhos assim, o sentimento de abandono. E de desespero. O universo de relacionamento nas sociedades líquidas assegura, falada pelo saudoso Zygmunt Bauman, a insegurança permanente e monta uma armadilha em que redes sociais são suficientes para gerar controle e sentimento de pertença. Não passam, porém, de ilusões que mascaram as distâncias interpessoais que se acentuam e que esvaziam de afeto, mesmo aquelas que são primordiais: entre pais e filhos e entre irmãos.
A irritação por precisar mudar alguns hábitos. Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem acompanhar os pais, fazendo com que a relação afetiva entre pais e filhos sejam cada vez mais escassas.
Para muitos consideram os novos desvalidos do século XXI.
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