“Vá escovar o seu cabelo”
“Você é mais bonita com o cabelo liso”
“parece um bombril”
No ano de 2016, eu parei de ir as festas apenas na chapinha. No último sábado (16), eu fui para uma festa de formatura usando meu cabelo cacheado natural. Foi algo libertador e ao mesmo tempo eu senti que minha autoestima estava lá segura e firme. A festa de Natal também não foi diferente e esta foi a minha foto assumindo os meus cachos e o meu corpo acima do peso.
Todas as mulheres já escutaram, pelo menos alguma vez, uma dessas frases. Eu, por exemplo, já escutei. Pera, eu estou escrevendo este texto sobre cabelo com ele preso, deixa eu tirar a presilha e pentear apenas com os dedos.
Agora sim, je suis prête.
Esta é a minha vida de cacheada. São os meus tóintóin que lembro das minhas raízes familiares. A minha bisavó materna, Zumira, era negra e tinha cabelo crespo. Além disso, a minha família paterna tem cabelos cacheados. Reza a lenda que eles eram descendentes de índios tapuias, nos quais eram recheados de pelos e cabelos encaracolados.
A minha tia, que tinha cabelo crespo, teve que crescer ouvindo que o cabelo dela era ruim e passar por inúmeras coisas para esconder o crespo.
E cabelo é vilão ou mocinho para você determinar?
Reconheço que quando era jovem não conseguia ver alguma artista que pudesse me identificar. A maioria das garotas eram brancas e de cabelo liso. Até os anos 2000, eu não via uma Taís Araújo, Karol Concá, Vanessa da Mata, Camila Pitanga ou Solange Knowles. Antigamente, as pessoas falavam que era muito difícil manter os cachos e era mais fácil alisar.
Após 23 anos de vivência, eu percebi que assumir os cachos é uma forma de resistência política e sociocultural. Mas, isso não seria vitimismo? Não necessariamente, muitas mulheres como eu, tem cabelo cacheado, e desde cedo sempre veem nas revistas, internet ou programas de televisão que ter os enroladinhos é difícil, não é bonito ou olhar as notícias apontando que o certo seria ondular.
Na minha época, cabelo bonito era aquele liso e sedoso ou quando tinha foto dos anos 80 da moda do permanente associava cacho com o cão poodle.
Muitas vezes, o cacheado está ligado às questões sociais. Por exemplo, a maioria das pessoas pobres e periféricas têm cachos e muitos foram forçados a “alisar” porque achavam que não estavam adequados aos padrões impostos pela sociedade, se arriscando em diversos produtos bastante perigosos e poderia destruir o couro cabeludo ou a própria vida. Ninguém, afinal, quer sofrer racismo, ser olhado torto toda hora ou passar por inúmeras dificuldades.
Hoje, muitos estão caindo na real para mostrar que a naturalidade é uma forma de dizer: “Ei, vamos respeitar as diferenças e somos todos iguais perante a lei.”.
O apoio dos meus familiares para manter o cacheado me ajudou a resistir as tentativas de cabeleireiros em alisar o meu cabelo e aguentar o bullying que sofria na escola. Eles sempre enfatizavam pessoas que me representavam.
Quando vejo outras pessoas que pensam assim como eu é um misto de felicidade com emoção. É lindo ver o depoimento de mulheres que deixaram a química e falaram da “liberdade”. Foi essa liberdade que senti quando parei de relaxar, que estavam destruindo os meus cachos, e voltar em deixá-lo volumoso.
Se você está em transição, aguente firme. Se está na luta em manter os cachos, continue.
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