O jornalista Maurílio Medeiros entrevistou jovens natalenses para comentar sobre “Juventude Não-Transviada” pela pandemia de Covid-19. Além disso, está matando, até o final de maio de 2020, quase 500 mil vidas.
A obra “Juventude Transviada” (1955) é um clássico do cinema mundial. O ator James Dean popularizou a rebeldia juvenil. Essa fase marcada pela busca por independência e autodescobrimento, a qual inclui ir a festas, flertar e ter as primeiras experiências. Mas, os jovens natalenses se deparam, hoje, todavia, com um obstáculo: a pandemia de Covid-19. Muitos garotos e garotas relatam, diante dessa realidade, sentir a juventude sendo desperdiçada. É uma juventude que não tem a oportunidade de “se transviar”.
Por isso, objetivo desta matéria é mostrar o depoimento de jovens que estão vivendo este conflito que é pandemia e ainda mais viver em uma vida com um turbilhão de sentimentos.
Carla Melo, de 18 anos, passou em Direito, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern). Mas, ela vai esperar o segundo semestre para começar a estudar as leis. A sua expectativa era, portanto, para chegar a maioridade e ser independente. No entanto, ela esperava entrar no curso dos sonhos mais conhecer gente nova, ir às festas. Ela, no entanto, não esperava que uma pandemia postergasse esse sonho.
“Eu estava muito empolgada para iniciar a graduação. Infelizmente, começou todo o isolamento social, obrigando a Uern a implantar o ensino não presencial. Às vezes, a sensação é de que perdi, sinto sozinha, sem amigos para compartilhar momentos bons e ruins. Minha expectativa era entrar no curso, assim como colocar os pés no ambiente acadêmico de verdade. Além disso, queria me sentir parte dele, conhecer pessoas para segurar a barra que é a Universidade. O impacto na saúde mental é nítido, visto que ainda mais vendo que o que entendemos por normal está longe de voltar. O calor humano me faz muita diferença, visto que evidentemente está tornando essa nova fase tão importante da minha vida bem pior.”, reflete a estudante
Andressa Morais é socióloga e doutora em Antropologia Social. A mesma esclarece que a socialização, neste momento, se constitui um processo de absorção e entendimento de regramentos. Ainda mais a sociedade compreenderá as normas, padrões, valores morais do coletivo e contribui para a construção de uma identidade.
“Sentimentos, regras, condutas, desejos, sexualidade, leis, religião são fontes para compartilhar ao longo da trajetória biográfica de qualquer jovem em nossa sociedade. Assim, a medida que a socialização acontece contribui para a compreensão de identidade e pertencimento a um grupo social”, explica.
Para a socióloga, nesse momento atípico, os processos sociais, por conseguinte, precisaram passar por mudanças, visto que tudo passa a fazer parte de um novo conjunto de hábitos os quais devemos respeitar coletivamente.
“O impacto na saúde mental é nítido, ainda mais vendo que o que entendemos por normal está longe de voltar. O calor humano me faz muita diferença e, evidentemente, está tornando essa nova fase tão importante da minha vida bem pior.
Carla Melo, estudante de Direito, que sente que sua juventude foi desperdiçada pela pandemia Covid-19
“O isolamento e o distanciamento são padrões de comportamento adotados em todo o mundo. Os jovens, obviamente, não ficaram de fora, visto que não estão sendo mais ou menos penalizados do que qualquer outro grupo. Entretanto, sabemos, por meio de pesquisas científicas, que eles têm menos comorbidades. Entretanto, o que não os isentaria de uma responsabilidade ética com as regras”, analisa.
Andressa ressalta que a juventude é uma fase marcada pelas primeiras experiências, sendo, portanto, prejudicada pelo momento de distanciamento ao qual a sociedade está submetida. Além disso, deixar de encontrar amigos, flertar, namorar, ir a festas e bares dificulta a existência social para muitos jovens. Além disso, nessa fase da vida, portanto, a identidade está em processo ativo de descoberta, aceitação e afirmação.
A saúde mental, portanto, acaba sendo prejudicada. Os jovens primeiramente passam a viver o sofrimento psíquico e as dores da alma pela ausência da convivência com outros jovens, vivenciando suas descobertas sexuais, aprendendo sobre escolhas profissionais, desenvolvendo hábitos de comunidade com seus grupos de esporte, lazer, cultura e religião.
“Isso pode resultar em um vazio existencial e um limite oneroso de sua liberdade com a finalidade de descobrir o que estão se tornando. Nem todos conseguirão passar por esse momento da mesma maneira, mas creio que ninguém deseja a experiência traumática de dor e sofrimento em face da doença. Por isso, é importante, também, observar impactos no longo prazo, visto que mesmo superando o agora, há efeitos sobre a experiência de reconhecimento e sobre essa relação consigo próprio resultante da estrutura intersubjetiva da identidade pessoal. Assim, quero chamar a atenção para o fato de que jovens estão deixando de aprender sobre si mesmos, quem são, o que desejam ser, nesse estágio da vida”, refletiu.
O Danilo Kauan, 20 anos, é universitário e influenciador digital. Logo, as redes sociais são seu instrumento de trabalho. Como resultado, isto reduziu a sensação de solidão.
“Em um primeiro momento, fiquei muito mal, pois não tinha mais a socialização com amigos fisicamente. Porém, por meio da internet, que não substitui o contato físico, consegui me conectar com as pessoas. Assim, melhorou um pouco a situação, a qual chega a ser perturbadora, principalmente por não sabermos quando acabará. Essa sensação de looping eterno me transtorna. Parece, no entanto, que 2020 nem existiu, acho que não vou nem contar, considerar esse ano”, relata com dissabor.
Já a universitária Amanda Bezerra, de 21 anos, é mãe de Giovanna, de 1 ano. A criança nasceu em dezembro de 2019, um pouco antes do início da pandemia. Por consequência da pandemia, ela tem medo de contrair o vírus e transmiti-lo para a filha, Amanda revela que desenvolveu uma espécie de neurose.
“Não saio de casa de forma alguma. Isso reflete, portanto, muito no meu psicológico. A Universidade está em formato não presencial, assim como praticamente tudo o que faço. Quando preciso sair, fico neurótica com o distanciamento, as máscaras e o álcool. Além disso, já cheguei a me submeter ao exame para Covid por achar que estava contaminada. Felizmente, deu negativo. Quase enlouqueci por medo de tê-la contaminado. Embora eu seja jovem, vejo que coisas jovens como festas, bares, baladas e saídas ficaram em segundo plano”, revela.
De acordo com Ana Izabel Lima, doutora em psicologia, a pandemia impôs uma pausa para todos. Porquanto, a população precisou renunciar à vida que tinha àquela altura. Isso, por conseguinte, despertou a inércia diante da possibilidade de perda, morte.
Segundo ela, “é possível compreender essa sensação de juventude perdida. Parece que seguimos em 2020, pois continuamos vivendo praticamente da mesma forma que em março do ano passado. Muitos jovens cursaram um ano letivo atípico na escola e na faculdade, afastaram-se eventualmente de família, amigos, ou seja, reduziram drasticamente a socialização.”
A psicóloga coloca que o distanciamento social reforça a “sensação de perda de tempo que não volta mais”. As recomendações para que todos fiquem em casa podem ter criado a sensação de solidão, além da estagnação da vida social, desesperança e, até, abandono. “Alguns estudos têm sido publicados apontando um aumento nos índices de sofrimento mental. No entanto, seria imprescindível uma análise mais cuidadosa quanto aos possíveis fatores relacionados ao desencadeamento de ansiedades, depressões, consumo abusivo de substâncias psicoativas, etc”, comenta.
Além da diminuição do contato físico, ter a renda familiar diminuída em razão dos impactos econômicos, ter amigos e familiares internados ou mortos, ser exposto a informações negativas podem, segundo ela, também oferecer risco à saúde mental dos jovens.
“ Assim como outros momentos históricos, as transformações impostas desencadearam um processo de luto. As mudanças do ensino não presencial podem ter provocado uma sensação de fragilidade, de incerteza, de ‘tempo perdido’, provocando, assim, ansiedade, falta de controle sobre a própria vida, desespero e angústia. Muitos medos podem surgir, como por exemplo a frustração e da solidão”, complementou.
Ana Izabel diz, ainda, que a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) aponta que, com a pandemia, é possível constatar um aumento de angústia, ansiedade e depressão. Quando isso é somado a violência, transtornos por abuso de substâncias e sentimento de perda e, por conseguinte, aumenta-se o risco de suicídio.
Diante disso, ela frisa a importância do acompanhamento psicológico: “É essencial, portanto, que possamos ofertar um espaço de escuta e compreensão direcionado aos jovens para que essa sensação de perda de tempo dê lugar, portanto, a novas relações de possibilidades.”
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