Eu sempre quis conhecer o Norte. Cresci ouvindo as histórias e músicas do meu pai, Manoel do Coco, as quais retratavam, pelo olhar dele, um dos lugares mais ricos do Brasil. Rico não apenas de recursos, mas de gente feliz, simpática e amorosa, assim como os nordestinos. Parti de Natal com o objetivo de participar da Conferência Brasileira de Folkcomunicação (Folkcom), evento que reúne pesquisadores de todo país para trocar conhecimentos sobre a comunicação por meio do folclore, da cultura popular. Cheguei em Manaus no dia 24 de junho, sozinha, mas acompanhada das melodias, letras e lembranças do meu pai. Me hospedei na rua do Teatro Amazonas, no Hotel Dez de Julho, simples e aconchegante. Logo fui invadida pela admiração à beleza e imponência do Teatro, que mais parece um castelo, encantador. Mas meu destino final não era Manaus.
Mal consegui dormir tomada pela ansiedade e pelo receio de enfrentar nove horas de lancha, algo que nunca havia feito. Saí do Hotel às quatro horas da manhã em direção ao porto de Manaus. Tive a impressão de estar ouvindo uma das músicas de painho sobre o rio Negro, e pude notar que era exatamente como na música. As águas negras nos provocam sensações, é um mar de mistérios. Mar, sim! Ele é o mais extenso rio de águas negras do mundo. Impressiona pela cor e beleza. Nesse lugar, moradia de barcos e lanchas, lembrei-me do Ode Marítima, poema de Fernando Pessoa, que diz: “todo cais é uma saudade de pedra”. É exatamente assim. Fui tomada pelas saudades de painho. Fiquei pequena diante da grandeza de algumas embarcações e, ao mesmo tempo, enorme diante das saudades que me ocupou naquele momento.
Chegada a hora de seguir viagem, com destino a cidade de Parintins, local escolhido para a realização do Folkcom. Uma ilha no meio da imensidão dos rios que banham o estado do Amazonas. Na lancha a jato, ambulantes ofertando equipamentos eletrônicos e um senhorzinho simpático com uma bacia de alumínio na cabeça, cheia de banana frita, aproveitavam os últimos momentos antes da hora da partida. Às seis horas da manhã ela partiu. Por dentro era uma espécie de ônibus. Com ar-condicionado, poltronas confortáveis, área comum com sofás e banheiros, serviço de bordo com direito ao café da manhã e almoço, além de pessoas dispostas a conversar para que o tempo passasse mais rápido. Logo me entrosei. Eu queria, como uma boa jornalista, ouvir histórias. E assim o fiz. Foram nove horas de conversas, boas risadas e até tempo para partidas de baralho, parecia que alguns daqueles pouco mais de 40 passageiros se conheciam há tempos.
Passamos pelo encontro das águas, lugar em que a magia do Amazonas nos apresenta um espetáculo. O rio Negro e o Solimões lado a lado, juntos, porém separados. As cores diferentes que não se misturam dizem boas-vindas aos visitantes. O longo percurso também rendeu boas fotografias. Mesmo tendo dormindo apenas duas horas na madrugada anterior a viagem, eu não consegui pregar os olhos. Eu estive a todo momento encantada com a imensidão de água e de vida daquele lugar. Às margens do rio, cidades, casas de palafita e histórias. Cada canto do Amazonas é morada de lendas e de gente que acredita nelas, sejam elas verdade ou não. Quem sabe?
Após as nove horas de aventura, avista-se a cidade de Parintins, uma ilha em meio ao Rio Amazonas. Ela se apresenta timidamente aos que chegam nas embarcações. É a cidade dos bois, Garantido e Caprichoso, toda dividida em cores vermelho e azul. É paixão à primeira vista. Fui recebida por uma parintinense arretada, Leana, que me apresentou a cidade pelo melhor olhar: o olhar de alguém apaixonada e defensora da cultura local.
Ao chegar à cidade é bom escolher um dos lados, Garantido ou o Caprichoso. Confesso-lhes que meu coração foi roubado pelo boi branco com coração vermelho na testa, o Garantido. Mesmo sabendo que se trata de um homem vestido de um boi de pano, a emoção de estar perto desse boi é inexplicável. Ele representa o povo, conhecido como boi do povão, a cor vermelha, que também é cor de luta, cria uma atmosfera de paixão pelo boi. Mas, apesar da preferência pelo Garantido, recomendo-lhes pesquisar sobre as histórias de cada boi antes de tomar partido de um ou de outro. A manifestação cultural dos bois-bumbás faz da cidade ponto turístico preferido de quem visita o Amazonas no período do festival.
A Folkcom combinou com os dias do festival, e aconteceu nos dias 25, 26 e 27, em seguida, nos dias 29 e 30 de junho e 1 de julho, foi a vez da a festa dos bois.
O turismo na cidade de Parintins gira em torno dos bois. Há uma rivalidade entre as torcidas, fazendo com que o lugar seja dividido em duas partes: a cidade do boi Garantido (vermelho) e a cidade do boi Caprichoso (azul). Quando planejar a viagem, escolha a semana do festival, é sempre a última do mês de junho.
Nesse período, é possível conhecer toda a magia das três noites no “bubódromo” – uma espécie de sambódromo onde os bois se apresentam. Isso já causa encantamento em quem visita o lugar, mas as belezas do município não param por aí.
Banhado por águas ricas em diversidade de animais e florestas, um passeio de voadeira – uma espécie de canoa motorizada – revela a imensidão e beleza das redondezas dos municípios, dos igarapés e das comunidades vizinhas. Em uma hora de passeio é possível avistar e fotografar diversas aves, de diferentes espécies, e vários tipos de plantas. O Lugar nos faz perceber o quão somos pequenos diante da natureza. O centro da cidade também é lugar agitado e charmoso, assim como o mercado do porto, atualmente em reforma. O píer da cidade tem os melhores estabelecimentos para quem procura se deliciar com a culinária regional. Pirarucu, tambaqui e bodó são um dos principais pratos ofertados pelos parintinenses, tudo temperado com muito carinho e hospitalidade, característica forte de quem vive na cidade dos bois. É impossível sair de lá sem comer o tucumã – um fruto típico da região Norte com aparência de um coco pequeno, laranja por dentro e com um caroço preto, usado pelos artesãos para a confecção de anéis.
Depois de cinco dias desbravando e conhecendo cada canto de Parintins chegou a hora de retornar a Manaus. A volta foi de avião, uma tímida aeronave de 26 lugares que me proporcionou ver do alto uma parte da grandiosa Floresta Amazônica. Lá de cima pude ver toda a imensidão que em momentos contrastava com a pequenez de casas isoladas pela floresta. O voo durou cerca de uma hora. Cheguei em Manaus com vontade de aproveitar os últimos momentos da minha viagem, afinal eu embarcaria no dia seguinte para Natal. Peguei a mochila, coloquei minha câmera e decidi almoçar no Mercado Adolfo Lisboa, localizado nas proximidades do Porto. Artesanatos, penas, comidas regionais e um cheiro inconfundível do tempero do Norte, forte e marcante. Foi minha melhor escolha. Cada mercado municipal é local de cultura, de história, de sabor. É sempre um bom começo para conhecer qualquer região.
Depois de conhecer o Mercado, caminhei, acompanhada de uma amiga, pelas ruas do centro de Manaus. Fiquei impressionada com a beleza e exuberância dos prédios históricos da cidade. A alfândega, a igreja matriz, a praça do relógio, é como se estivesse em um outro tempo. Manaus nos faz voltar para o passado, o tempo parece transformar-se em apenas um instante.
Ao final do dia, a praia de Ponta Negra nos convida a brindar o pôr do sol, as águas negras do rio que virou mar e o clima de sossego criam uma atmosfera de despedida e de gratidão. É chegada o fim dessa aventura de crescimento pessoal e profissional. Aos amigos, feitos durante a viagem, meu sincero até logo! Sem dúvidas, cada um fez desses momentos poesia em forma de riso.
Conhecer outra cultura me fez crescer de forma imensurável, não há linhas suficientes que me possibilitem explicar o que foi conhecer parte do Norte, uma das regiões mais ricas e incríveis do Brasil. Só há uma coisa a dizer: vão ao Norte!
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