Me deu um aperto no coração quando vi nas redes sociais que a mãe do jornalista e ilustrador Gabriel Vasconcelos tinha falecido. Apesar da gente se encontrar apenas em rolé na cidade, eu e a namorada dele, Gabriela Serejo, passamos boa parte da adolescência dentro de um colégio elitista, onde tínhamos ideias nerds, literatura, desenhos, sonhávamos em fazer alguma coisa com Comunicação Social (os três entraram para o jornalismo anos depois) e algumas vezes gravava vídeos. Ainda tínhamos o Sílvio e Pichorim, no pré o Vik Romero entrou nas nerdices. Éramos tão próximos, que nossos pais conheciam na reunião (frases comuns: “Você é a mãe da Lara?”) e ficavam desabafando o porquê dos três estavam em prova final.
Escutávamos de Rogério Skylab a Belchior em um piscar de olhos. Apesar da moda dos alternativos em meados de 2008 era o indie.
A gente ia para casa de um ao outro para fazer os trabalhos de escola, no qual rapidamente conheci a Isabel, mãe do Gabriel, que era sempre simpática e com um sorrisão, sempre fazia os bolos de aniversário do garoto, no qual era bastante concorrido pelos convidados. Me lembro de uma vez que Gabriel trouxe chocolates em formato fálico para a gente comer, que foi o que restou de uma encomenda para uma despedida de solteiro. Os rapazes burgueses nos olhavam tortos, mas sempre queriam puxar assunto com a gente, talvez porque aceitávamos a nossa esquisitice.
Toda vida que a gente dava um rolé nas redondezas da escola, o Gabriel sempre ligava para a mãe: “Olá Isabel Christina, eu voltei para escola e não fui roubado, estuprado e muito menos abduzido. Tá bom?”. Ela era um amorzinho e achava engraçado que meu nome era o mesmo da filha caçula, além de ter ajudado a criar uma estrutura para jogar um ovo do primeiro andar e não quebrar para um trabalho extra de física com o objetivo de ganhar um ponto na prova.
Me lembro que ela prontamente topou em fazer um bolo para mim numa encomeda de aniversário de 16 anos e “traumatizada pelos esquecimentos de trabalhos de escola” por Gabriel, eu ficara ligando o tempo todo no celular para ele não esquecer da delícia em forma de glicose (“CADÊ O BOLO?”). Desde que eles se mudaram para os Estados Unidos, eu nunca mais a tinha visto, apesar deles terem já retornado à Juazeiro do Norte.
Quando soube da sua morte, prontamente veio essas memórias e sempre foi um amorzinho comigo. Lembrar da sua simpatia, tiração de sarro e amores é a marca dela. O lado zoeira era bem nítido da família do Gabriel, até nos momentos tensos. Raramente, eu o via triste ou depremido, sempre transformou a dor em momento criativo. Com a benção dele, eu resolvi compartilhar esse texto lindo em homenagem a sua mãe. Apesar de ser difícil, o Gabriel me ensinou que o legado tem que ser continuado de alguma forma: saudade e amor.
Leiam a seguir:
Rodoviária é ponto de encontro e despedida. E, aqui, foi feito o registro do nosso último abraço. Dona Isabel Christina (com “ch”) foi a mulher mais forte que já conheci. E linda. E talentosa. Tinha música (e aquela gargalhada, sua assinatura) na garganta, tinha dança nos pés e tinha amor demais nas mãos, como qualquer um que tenha provado seus bolos, tortas e doces pode atestar. Esse amor, que ela colocava em cada coisinha que fazia, foi posto também na gente – Rafael, Gabriel e Lara, seu legado na Terra; e preencheu todo o coração do nosso pai, Seu Zé Valdo, que eu nunca deixei de enxergar, vendo os dois juntos, como um menino apaixonado.
Olhando para a saudade que você deixou em nós, eu sinto cheiro de bolo assando no forno, ouço o rádio tocando e sinto as mãos arderem de tanto espremer limão contigo, afinal as tortas tinham de ficar prontas pro dia seguinte. Momentos fixos no tempo. Tão simples, tão poderosos, tão vivos quanto a certeza que eu tenho, de que você e o pai nos fizeram filhos do Amor. E Amor a gente passa adiante; é o objetivo último de nossa experiência planetária e a consequência definitiva da sua existência, mãe.
Eu nunca amei tanto na vida quanto amarei daqui em diante.
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