Todo mundo conhece o Forte dos Reis Magos como um importante marco turístico na história de Natal. Mas, pouca gente sabe que o local nos anos 80 foi uma espécie de encontro dos alternativos, que gostavam do rock e heavy metal. O local foi o espaço para Festival das Artes, que também ficou conhecido como Festival do Forte. Abrigava todas essas vertentes artísticas possibilitando maior contato entre músicos, pintores e demais artistas. Em tempos da Ditadura Militar e viver em uma cidade conservadora, isso era uma coisa transgressora por até demais.
Como o próprio nome sugere, esse evento acontecia a cada ano na Fortaleza dos Reis Magos, que fica na Praia do Forte em Natal. Vamos dizer que era o avô do Festival Mada e Dosol, visto que muitos que participaram da cena alternativa naquela época são descedentes que vão aos festivais de hoje. Tudo começou no final da década de 70 e inúicio dos anos 80. Como diz o jornalista e assessor de imprensa, Filipe Mamede: “Eram universitários, atores, dançarinos, artistas plásticos, poetas, ensaiando o que ia ser a época de ouro da cultura da cidade”.
Tudo começou em 1977, quando Geisel lançou o Pacote de Abril, onde dissolveu o Congresso. Então, os jovens potiguares eram vida a um dos mais importantes movimentos de contestação política e engajada através da arte. A Galeria do Povo, como era conhecida, era um movimento artístico a céu aberto, que realizava exposições espontâneas de poesias, crônicas, artigos, recortes de jornais e revistas, artes visuais, esculturas e faixas de manifestações políticas; e tudo isso, ali na Praia dos Artistas. Com mais de 200 exposições entre os anos de 1977 a 1986, nos muros da Galeria do Povo travou-se uma luta permanente contra a ditadura militar, expondo o descontentamento do povo com as suas iniciativas e juntando-se a lutas como a da retomada da caminhada democrática, da anistia, das eleições diretas, entre outras tantas.
As exposições eram realizadas aos sábados e domingos a partir das 10h. As exposições eram, portanto, sempre diferentes, inéditas, e normalmente traziam uma palavra de ordem em forma de faixa de manifestação ou em letras recortadas de papel e afixadas ao muro.
Enquanto isso a orla de Natal estava cheia de alternativos querendo botar o bloco na rua, então no ano de 1978 surgiu o Festival do Forte, idealizado por Sandoval Fagundes e Luiz “Lola” Lima. O objetivo inicial era a obtenção de alguns meios de produção, como aparelhagem de som, equipamento para serigrafia, entre outras coisas para fazer uma cooperativa de artistas. Porém, o negócio foi muito mais além.
O nome seria Festival de Artes do Natal, conforme foi escrito no primeiro cartaz. Desenvolvido graficamente e impresso em serigrafia por Sandoval Fagundes (a partir do desenho que Luiz Lima havia feito), o panfleto tinha o número 1978, o mar, um barco à vela e a pomba branca da paz, numa clara referência a Woodstock. Contando com música, dança, artes plásticas, artesanato, fotografias apresentações teatrais e até comida macrobiótica, a primeira edição teve a duração de um dia apenas, mas deixou muitas histórias pra contar.
No ano seguinte, o Festival acabou sendo realizado no Centro de Turismo. Em 1980 não houve festival, que voltou a plenos pulmões no ano seguinte, já com versão de três dias e, reunindo novamente todas as artes. As exposições foram ampliadas e levadas agora às salas internas da Fortaleza dos Reis Magos. Em 1982, vendo que o Forte já estava ficando pequeno para o público, Eduardo conta que sugeriu que parte dos espetáculos fossem realizados em um circo a ser montado diante do Forte, mas lembra que a Fundação José Augusto deu parecer contrário.
Pelos palcos dos Festivais do Forte passaram várias atrações de peso. De Jards Macalé ao grupo teatral e performático Gato Lúdico, passando pela poesia alternativa do Aluá, até Chico César e a trupe Jaguaribe Carne passaram pelo Festival.
Os Festivais continuaram a ser realizados na Fortaleza por mais algum tempo, até ser levado para o Bosque dos Namorados e depois Cidade da Criança, onde foi realizada sua última versão.
Foi lá que surgiu a ascenção de bandas de heavy metal potiguares como Croskill e Sodoma, mas também apareceu bandas como Gato Lúdico e Fluídos, liderada por Carito Cavalcanti, hoje poeta e cineasta. Para o evento, vinham caravanas de outros estados, como Paraíba, Pernambuco e Bahia.
Nesta mesma época, o festival na Praia do Frote estimulou a criação de outros eventos da cidade, como Festival da Mocidade, que acontecia na Cidade da Criança, e o Festival da Candelária, que acontecia no Conselho Comunitário, o Conacan, que ficou eternizado nas músicas de Uílame, personagem do humorista e músico Ticiano D’Amore. Ambos culturalmente significativos para a divulgação das músicas autorais potiguares.
Para quem não sabe, o Forte dos Reis Magos é uma edificação militar histórica localizada no bairro de Santos Reis e fica próximo da foz do Rio Potengi. O local recebe este nome porque sua construção se deu no dia 06 de janeiro de 1598, dia de Reis no calendário católico, e surgiu um ano antes da fundação da cidade do Natal. Foi marcado por diversos acontecimentos históricos, como a invasão Holandesa na capitania Rio Grande, onde Natal por um tempo passou a ser chamada de Nova Amsterdã.
Atualmente é administrada pela Fundação José Augusto, fundação do Governo do Rio Grande do Norte. Porém, encontra-se fechado para reforma, que acontece há algum bom tempo.
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