Perambolando pelos sebos de Natal, eu encontro dentro de um dos livros uma carta do médico Clóvis Sarinho (foto acima do título) à Revista Veja, na época atuava como diretor do Instituto de Medicina Legal, para criticar à historiadora Marly Vianna, autora do livro “Revolucionários de 1935 – Sonho e Realidade”, no qual tentara corrigir a pesquisadora dizendo que a Intentona Comunista só aconteceu mais por parte do Brasil do que da União Soviética. Na época, o medo do comunismo era grande naquela pequena cidade do Natal, que a viu a ser de esquerda por três dias na Intentona Comunista de 1935.
A carta pode ser conferida neste link e conta bastante sobre a história de Natal dessa época.
Sarinho tinha muita convicção no que dizia para aquela professora, considerada uma das maiores estudiosas do Partido Comunista do Brasil (PCB), porque ele viu a considerada Revolução de 1935 de perto e por ter flertado com o Integralismo, assunto pertinente na mídia atualmente, pois simpatizantes do movimento, recentemente, admitiram que foram os autores do atentado que aconteceu na sede do canal “Porta dos Fundos“, em dezembro de 2019.
O que foi a Intentona Comunista
Há 80 anos, Natal já foi uma cidade regida pelo comunismo. Por algumas horas. Esta ação fez parte da Intentona, quando o Partido Comunista do Brasil, o PCB, liderado por Luís Carlos Prestes, queria que o Brasil se tornasse um governo comunista. Uma tentativa de fazer uma Revolução Russa nas terras tupiniquins, que aconteceu 20 anos antes. De todos os estados existentes na época, apenas o Rio Grande do Norte conseguiu colocar o plano na prática.
Enquanto isso, a situação política no Brasil, deteriorava-se em face da crise econômica e das contradições existentes no interior do Governo Vargas
Na época, Prestes fez contato direto com a Internacional Comunista e foi convidado para passar uma temporada de estudos do marxismo-leninismo na União Soviética, para onde viaja em setembro de 1931 e permanece até abril de 1934, quando chega ao Brasil, em companhia de Olga Benário.
Aconteceu no dia 23 de novembro de 1935 por militares, em nome da Aliança Nacional Libertadora. O objetivo era uma revolução “nacional-popular” contra as oligarquias, o imperialismo e o autoritarismo, possuindo, nas suas reivindicações menos imediatas, aspectos como a abolição da dívida externa, a reforma agrária e o estabelecimento de um governo de base popular.
O levante aconteceu em três lugares: Natal, Recife e Rio de Janeiro.
O 21º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro, sediado em Natal, iniciou um levante liderado por sargentos e cabos filiados ao Partido Comunista do Brasil e à Aliança Nacional Libertadora, organização política de esquerda, recebendo a adesão da direção do PCB e a participação de operários, populares e ex-integrantes da guarda civil do Estado. Consolidado o controle militar, foi instalado um autodenominado “Comitê Popular Revolucionário” que durante 80 horas (três dias), até a madrugada do dia 27, manteve o controle da capital e de 17 cidades do interior, dissolvendo-se e se pondo em fuga, ante a aproximação de tropas leais ao governo federal.
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Quem é Clóvis Sarinho ?
Não é apenas o nome do pronto-socorro do Hospital Walfredo Gurgel, Clóvis tem história tanto na área médica como na vida política do Rio Grande do Norte. Ele nasceu em Olinda (PE) no dia 05 de junho de 1910, porém criança foi transferido para João Pessoa, onde estudou no Liceu Paraibano e aos 18 anos voltou as terras pernambucanas para estudar Medicina. Lá, ele começou a sua vida política. O mesmo dirigiu a Sociedade dos Internos, redigiu vários trabalhos científicos e realizou o I Congresso de Estudantes Internos de todo o país, revelando qualidades morais e técnicas em campos diversificados.
Em 1934, recebeu um convite para trabalhar no recém construído Hospital do Seridó, em Caicó. Apesar de suas qualificações e de seu currículo acadêmico exemplar, encontrou dificuldades quanto à sua credibilidade profissional junto à população seridoense pela sua aparência muito jovial – tinha apenas 24 anos. a confiança da população, no entanto, chegou quando operou um paciente muito popular, que fazia questão de exibir a cicatriz da cirurgia de apêndice com aspecto de boa recuperação, e dizia para todos que quem o havia operado era o “Dotozim Novo”. Logo se firmou como cirurgião habilidoso que introduziu práticas e técnicas médicas modernas em toda região do Seridó. Sua boa fama de exímio operador chegou ao conhecimento do Dr. Januário Cicco, que o convenceu a vir trabalhar na capital. Sarinho mudou-se para Natal em junho de 1935. Em 1º de Agosto de 1935, assumiu a chefia da Clínica Cirúrgica do então Hospital Miguel Couto (hoje Hospital Universitário Onofre Lopes). Nesse cargo permaneceu até o dia 07 de abril de 1942.
No seu primeiro ano trabalhando em Natal, teve atuação destacada no atendimento aos feridos da Intentona Comunista. Instalou-se no hospital durante toda a duração da insurreição, sem sequer ir em casa. Dentre as dezenas de feridos por ele atendidos, esteve um dos principais líderes do movimento, o cabo Giocondo Dias, que anos depois destacou-se na hierarquia partidária e sucedeu Prestes na direção geral do Partido Comunista Brasileiro, algo que Sarinho menciona em sua carta à Revista Veja.
Apesar dos biógrafos quererem mostrar uma ideia de que ele foi o herói de Prestes, muitos esquecem de comentar o flerte com o fascismo. Em 1937, segundo o jornalista Luiz Gonzaga Cortez, ele participa do grupo Integralista aqui no Rio Grande do Norte. Apesar de ter ajudado os comunistas, por acreditar em ajudar o próximo, ele era totalmente contrário da ideologia. De acordo com o jornalita Cortez, em trecho publicado na monografia do historiador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN):
O médico Clóvis Travassos Sarinho alegava muito bem que o comunismo “acerta no diagnóstico e eira no tratamento” foi uma maneira que o doutor encontrou para dizer que o comunismo identificava os problemas da sociedade e estava em um caminho certo até querer resolver tudo pelas armas. O que causou um certo pânico na população, tornando-se o comunismo um inimigo social.
Sarinho confirmou que era integralista e em 1991 tentou explicar o porquê em sua autobiografia. “Filiei-me à Ação Integralista por convicção, não por ouvir dizer, diria mais tarde, adiantando que não fora influenciado pela opinião dos correligionários nem, tampouco, o impressionavam as críticas … por uma questão ideológica ou por não terem lido nada sobre o assunto” (SARINHO, 1991, p. 183).
Mas, afinal o que é integralismo
É um grupo fascista brasileiro criado pelo jornalista Plínio Salgado. Sim, tivemos meio que projeto de Hitler tupiniquim. Em 1930, apoia a candidatura de Júlio Prestes, apoiado por simpatizantes da política do café com leite, contra Getúlio Vargas. No entanto, Getúlio conseguiu o poder na então Revolução de 1930. Assim, Plínio viajou para Itália e se apaixou pela Itália fascista de Benito Mussolini. Em fevereiro de 1932, Plínio fundou a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), que congregava os principais intelectuais simpáticos ao fascismo. Meses depois, ele lança o Manifesto de Outubro, que apresentava as diretrizes para a fundação de um novo partido político, a Ação Integralista Brasileira (AIB). Em fevereiro de 1934, no I Congresso Integralista, em Vitória, Plínio confirmou sua autoridade absoluta sobre a entidade recém-fundada, tendo recebido o título de “chefe nacional” da AIB.
Apesar de rejeitar publicamente o racismo, Plínio adaptou quase todo o simbolismo do fascismo, como os uniformes verdes dos militantes. A ideologia da AIB era tão próxima do nazi-fascismo, que chegou a dividir a mesma sede com o Partido Nazista em cidades como Rio do Sul. O movimento era financiado diretamente, em parte, pela Embaixada Italiana. Como características próprias do movimento, a saudação romana era acompanhada pelo grito da palavra tupi Anauê, que significa “Eis-me aqui”, enquanto a letra do alfabeto grego sigma (Σ) servia como símbolo oficial da AIB.
Os líderes negros Abdias do Nascimento e João Cândido (da Revolta da Chibata) participaram ativamente do movimento. Apesar de Plínio rejeitar o racismo e o antisemitismo, muito dos militantes do partido adotavam ideias racistas. Em 1936, durante um desfile de militantes integralistas, centenas de negros foram espancados no centro do Rio.
A AIB tinha como base de apoio imigrantes italianos, grande parte da comunidade portuguesa, as classes alta e média e militares, especialmente na Marinha. Conforme o partido crescia, Vargas tinha no integralismo sua única base de apoio mobilizada no espectro da direita, que se extasiava com sua repressão de cunho fascista contra a esquerda brasileira. Em 1934, o movimento integralista decidiu perseguir membros do Partido Comunista – à época sob a liderança de Luís Carlos Prestes enquanto partido ilegal – mobilizando uma massa conservadora para se envolver em brigas de rua e em terrorismo urbano.
Em 1937, Plínio lançou sua candidatura presidencial para a eleição prevista para ocorrer em janeiro de 1938. Ciente da intenção de Vargas de cancelar as eleições e se perpetuar no poder, ele apoiou o golpe do Estado Novo, esperando fazer do integralismo a base doutrinária do novo regime. No ano de 1939, militantes integralistas tentariam por duas vezes, nos meses de março e maio, promover levantes contra o governo. Apesar de negar participação nos eventos, Plínio foi preso após o levante de maio – sendo aprisionado na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói –, e cerca de um mês depois enviado para um exílio de seis anos em Portugal.
Após a Segunda Guerra Mundial, ele criou o Partido da Representação Popular, mantendo as ideias do integralismo, mas de uma forma mais sútil, visto que a Itália fascista saiu derrotada. Sarinho, citado acima, também ingressou no partido.
Quem eram os membros do integralismo no Rio Grande do Norte
Dentre os integrantes que flertaram o Integralismo foi Câmara Cascudo (fotografia acima mostra ele com integrantes do grupo em Natal. Ele está atrás de duas crianças, um menino e uma menina, que eram os filhos dele), Monsenhor Walfredo Gurgel, Miguel Seabra Fagundes, Carlos Gondin, Manoel Rodrigues de Melo, Otto Guerra (ex-reitor da UFRN), Hélio Galvão, além do mencionado Clóvis Sarinho.
O movimento, formado pela elite intelectual e católica fervorosa de Natal, durou no RN até 1937, quando houve o Estado Novo e Getúlio Vargas negou o apoio, enfraquecendo o grupo.
Aqui mais fotos de Cascudo sendo Integralista:
Essa é a história de como uma simples carta encontrada no Sebo pode contar uma história bem antiga da cidade, porém seus ideais estão cada vez mais pertos.
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