O Mada contou com uma forte presença de mulheres na sua apresentação, tanto no primeiro quanto no segundo dia de festival. Dentre as artistas, podemos citar a MC Thá, nome artístico de Thaís Dayane da Silva, que cresceu no município Cidade Tiradentes, de São Paulo, e aos 15 anos começou a atuar no funk. “Comecei a cantar com 15 anos, por influência de amigos e fui caminhando dentro do funk, nos bailes de rua. Tava bem no início do movimento em São Paulo, já cantei em cima de caixote e fui bem funkeirona mesmo”, comentou a cantora em entrevista exclusiva ao Brechando.
Porém, teve uma pedra no caminho, que foi a reprovação na escola e resolveu, então dá uma pausa na sua carreira. “Então teve um momento que repeti a escola e fiquei muito mal, depois entrei na faculdade de jornalismo e comecei a trabalhar. Conheci um outro universo, mas sentia falta de trabalhar música. Depois descobri a música brasileira, então resolvi misturar com os elementos do funk.”. Em 2014 voltou com a canção “Olha Quem Chegou”, em parceria com Jaloo.
Para ela, “Funk é muito mais que o estereótipo e sim uma identidade”. Ao ser questionada se identifica com MPB ou funk, ela prontamente respondeu: “Me perguntam se sou funk ou MPB? Mas acho que a gente passou da hora de entender que o funk faz parte da MPB. Temos uma visão ainda muito etilizada.”. Essa mistura fez bastante sucesso e recentemente ela lançou o seu primeiro EP, que se chamará Rito de Passá, nome de uma de suas músicas inéditas e a plateia do Mada enlouqueceu quando escutou.
“O pessoal grudou na grade do palco e ficaram até o fim. Para mim foi muito gratificante, eu acabei de lançar um álbum e RN foi um dos primeiros estados a apresentar o repertório. A gente nunca acredita do que as pessoas estão escutando e esse contato é muito bom para ter uma renovada”, comentou. O EP é uma forma de mostrar sua influência de umbanda, no qual ela leva os ensinamentos na prática.
“Antes de entrar no palco, eu tenho um momento sozinha, fico quieta e começo a meditar para me concentrar para ter a energia perfeita para entrar no palco. Quando termina o show, eu demoro um pouco para voltar. Eu fico em transe, quando apresento. Isso não é comum de acontecer nas festas, por exemplo (risos). Estou no palco, eu me sinto livre e aproveito para movimentar bastante, algo que não faço normalmente. É uma energia que me move. Acredito que a música seja um momento para me aceitar, traz paz e ajuda a entender o outro. A cada canção que faço, eu me descubro mais”, relatou.
Ao produzir seu álbum, ela contou que evitou escutar outros artistas nacionais para evitar fazer autosabotagem. “Não tenho uma referência musical. Eu fico feliz que o álbum está se tornando importante, porque foi um disco que carreguei muita verdade e não pelo fato de ser o mais vendido. Só escuto música brasileira. Eu faço a melodia e a letra das canções. Mas, quando fiz o álbum, eu evitei escutar outras pessoas, porque a gente se sabota muito, por mais que tenha segurança do que faço eu sou muito auto-crítica.”, no qual confessa que está escutando bastante Luiza Lian e Potyguara Bardo, outras artistas que estiveram presente no Mada.
A artista também comentou as dificuldades de fazer música em um ano que está avançando o conservadorismo no Brasil, a mesma comentou que o importante é continuar fazendo música. “A arte sobrevive enquanto tem esperança. Está acontecendo muita coisa negativa, porém não perdemos o foco. O importante não é apenas lutar, mas também compartilhar coisas boas e simples. Como por exemplo um amigo que ganhou um empregou ou entrou na faculdade. São as pequenas forças que faz com que a gente consiga a continuar lutando e produzindo arte. A gente precisa se fortalecer para que podemos ajudar os nossos amigos”.
Luedji Luna e a sua resistência
Luedji Luna nasceu em Salvador e foi criada em um torno de militantes do movimento negro de Salvador. Cresceu sabendo sobre luta, política e revolução, mas foi na música que utilizou a melhor forma de lutar pelos seus direitos. Luedji começou a compor suas canções aos 17 anos, onde já cantava informalmente em bares da sua cidade natal. No ano de 2007 foi aprovada no vestibular e ingressou no curso de Direito, da Universidade do Estado da Bahia. Apesar disto, optou por não exercer a profissão para dedicar-se exclusivamente a música ecomeçou a estudar canto popular na Escola Baiana de Canto Popular.
Suas músicas retratam o preconceito racial, feminismo, empoderamento feminino, especialmente da mulher negra, retratando a cultura afro-brasileira em suas vestimentas, demonstrando em suas letras a africanidade do brasileiro, cantando sobre religiões de matriz africana, ervas e costumes brasileiros oriundo da cultura africana. Suas músicas mesclam ritmos afro-brasileiros, R&B, jazz e blues, além da MPB.
Com produção de Sebastian Notini, em 2017, lançou o seu primeiro álbum “Um Corpo no Mundo” trabalho predominantemente autoral, pela gravadora YBmusic, também em 2019 lançado na Europa, pelo selo Sterns Music, concomitante ao lançamento Europeu, realizou sua primeira turnê internacional. Para Luedji, foi uma grata surpresa o lançamento do álbum e a repercussão do disco. “O que planejei para esse ano foi esperado, mas quando lancei o álbum em 2017 foi uma grata surpresa. As coisas foram acontecendo como planejado, o lançamento do disco foi surpreendente”, relatou.
Luna comentou a importância da força da mulher e a coragem de fazer os seus trabalhos. “Eu acho que o mundo sempre foi nosso, a gente é a fundação deste mundo. O que acontece é uma deturpação cósmica de que o mundo é masculino, competitivo e violento, que não nos contempla. O mundo já é nosso, sempre me coloquei com essa tranquilidade e tudo que a gente faz é potente, porque está ligado a natureza. Os caminhos que temos traçados são paulatinos e lentos, porém são importantes”.
Além disso, questionamos o período que o Brasil vivemos, no qual ela prontamente respondeu que isso faz parte da crise identidária que sempre existiu. “Brasil é um país extremamente complexo, vivemos numa crise identitária, somos uma maioria de pretos e mestiços, mas se declaram brancos. É um país de classe média baixa e pobre, porém se pretende dizer que é rica. A gente não se aceita as raízes, suas ancestralidades e suas tradições. É uma questão ideológica e histórica. Quem votou no Bolsonaro, não foi apenas uma elite minoria, mas uma boa parte da população que não se reconhecem. Não é apenas uma divisão do país, a gente sempre teve uma visão eurocentrista. Para começar a gente tem que derrubar essa visão, mas sempre vivemos numa falsa democracia e infelizmente vamos ter que esperar esses quatro anos. Eu não estou resistindo, estou existindo. Entre a esquerda e direita, ainda sou uma mulher preta e sou uma pessoa envolvida em questão vulnerável a violência. O importante é que preciso viver e estou plena”, finalizou.
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