Em 2015, a instalação de algumas torres de bloqueio de sinal de telefone, na Penitenciária Estadual de Parnamirim, foi o estopim para uma das rebeliões do Presídio Estadual de Alcaçuz, fazendo com que ônibus em Natal fossem incendiados e várias penitenciárias do Rio Grande do Norte também realizaram os seus próprios motins. Quase três anos depois, a unidade prisional ganhou algumas mudanças, como a instalação de uma biblioteca, em dezembro do ano passado e em quase um mês já está mostrando os primeiros resultados, uma vez que os presos estão interessados em ler.
A atividade faz o projeto “Leitura Pela Liberdade”, projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ajuda na seleção, catalogação e gestão do acervo da biblioteca do presídio. .
A ação surgiu a partir do projeto com mesmo nome criado pela Comissão de Advogados Criminalistas (Comacrim) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para construção da biblioteca do presídio. Os livros foram cedidos por voluntários e instituições, como a OAB, Seminário São Pedro, UFRN e outros centros de ensino. Os mais de 1400 exemplares doados foram selecionados por bibliotecários da Universidade para montar o acervo de acordo com temas, que possam contribuir na qualidade de vida dos leitores.
O acervo tem mais de 800 livros e foi organizado pela equipe da UFRN, que dispôs os exemplares em estantes sinalizadas, assim como realizou um breve treinamento com um dos reeducandos que irá gerenciar os empréstimos da biblioteca.
Por questão de segurança, os usuários receberão os livros diretamente, em suas celas. Para isso, a equipe da Universidade planejou o funcionamento a partir da implantação de um sistema digital de catalogação doado por uma empresa potiguar. Os presos terão acesso a um catálogo impresso que irá circular pelas celas. Depois da escolha, o livro será levado até os pavilhões e serão concedidos 21 dias para finalizar a leitura, renovável por igual período.
Em entrevista para a UFRN, o Cristiano Angelo, apenado que ajudou na formulação do projeto desde o princípio quando foi preciso reformar o espaço da biblioteca, está otimista. Ele espera “que venha a ser um benefício. Não só pela remissão que vai ser oferecida, mas também pela viagem no mundo da leitura. Para ajudar quem está cumprindo a pena e quer ressocializar”.
Para Adailton Pessoa, agente penitenciário e diretor do PEP, projetos como o Leitura para Liberdade são essenciais para a manutenção da ordem no sistema carcerário. Ele afirma que “essa ferramenta é muito necessária. Recentemente vimos um caos no sistema e não é só ordem e disciplina que mantêm o apenado calmo. É preciso dar oportunidades e perspectiva para quem deseja uma melhoria em sua vida”.
Além de Parnamirim, esse tipo de ação já está em funcionamento no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Apodi e no de Candelária. Também há uma experiência embrionária no Complexo Penal João Chaves. Esses espaços ajudam no enriquecimento cultural dos presos e contribuem para a ressocialização.
Segundo o advogado Gabriel Bulhões, há um entendimento jurídico da possibilidade de remição da pena através do estudo e, no RN, também através da escrita. “A gente tem uma experiência pioneira através do Juiz Auxiliar para matéria criminal, Fábio Ataíde, da Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Norte, que capitaneou um movimento que resultou na promulgação de uma Norma Administrativa pioneira no Brasil, que prevê remição através da leitura e da escrita”, destaca.
Uma das normas que regula esse processo é a lei estadual nº. 10.182, de 21 de fevereiro de 2017, na qual está registrado que, para ter direito à remição de pena, o custodiado terá o prazo máximo de 30 dias para a leitura de uma obra literária, apresentando no final desse período uma resenha ou resumo a respeito do assunto, possibilitando, segundo o critério legal de avaliação, a remição de 4 dias de sua pena e, ao final, de até 12 obras lidas e avaliadas, terá a possibilidade de remir 48 dias, no prazo de 12 meses.
O jovem Arlysson Pereira, de 21 anos vai ajudar na gestão da nova biblioteca e foi um dos primeiros a fazer empréstimo. Ele enxerga, nos livros, uma mudança de vida: “Além de ser uma forma de reduzir a minha pena, de eu poder ir para casa um pouco mais cedo, pela leitura, o tempo passa mais rápido, posso adquirir um conhecimento maior, para minha vida e para quando eu sair daqui”, planeja.
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