Muitos quando estão jogando pensam em apenas passar de fase e zerar rapidamente. Calma aí, seu apressado, sabia que um game vai muito além desta perspectiva? Sabia que existe todo um processo artístico por trás? Não? Como assim? Existe um estudo que consegue analisar o processo de produção dos jogos, desde a fase de planejamento até ficar disponível para o mercado. A arte dos jogos brasileiros, e o processo criativo desses artistas, é o tema da exposição ArteGame Brasil, que acontece em Natal desde semana passada no Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Deart/UFRN).
A intenção é mostrar que o jogo é aquilo que se encontra perdido durante a elaboração. Esses rascunhos são pedaços de papeis de caderno ou agenda, arquivos de imagens, desenhos e dentre outras coisas.
“Queria mostrar a visão do artista sobre a sua concepção. O que a gente vê no jogo digital é apenas 20% do trabalho, muita coisa é jogada fora. Não tenho dúvida que o jogo é uma arte”, comentou o professor Roger Tavares, curador da exposição.
Tavares comentou que a análise dos rascunhos não existe apenas nos games, mas também em outros processos artísticos, que na área acadêmica possui vários nomes, como crítica de processo, análise de semiótica, evolução do conceito, ideação, e dentre outros.
“A minha ideia é mostrar o que se passa na cabeça do artista, a gente descobre isso através dos rascunhos. Isso já foi feito em pintura, escrita e música, mas nunca vi isso feito através dos jogos. Através do rascunho é onde o desenvolvedor realizara o seu diálogo com a equipe”, afirmou.
O curador contou que não é muito comum guardar o material de produção e fazer versões do livro de arte que mostra a elaboração daquele game no Brasil, diferente das empresas estrangeiras. “As empresas lá fora possuem o costume de criar uma versão do jogo americano com um artbook de presente, trilha sonora e dentre outras coisas. A nossa ideia é criar esta cultura de guardar as coisas”.
Roger alegou que o interesse pelos jogos acontece desde a sua juventude. “Quando era criança adorava jogar, mas era impossível pensar o jogo como arte e não sabia que isso poderia virar uma profissão. Meu primeiro jogo foi o Pong do Atari. Na adolescência, eu parei e fui aprender a tocar guitarra, pois achava que estava ficando chato (risos). Depois, eu voltei”, relatou.
Foram analisados os jogos brasileiros ‘Chroma Squad’ e ‘My Night Job’. Vale ressaltar que o mercado no Brasil está crescendo bastante e tem o aumento de pessoas interessadas em fazer curso em relação ao assunto. A intenção era escolher jogos brasileiros bons e que estava curioso em conhecer o processo artístico. O primeiro citado é inspirado na série do Power Rangers e conta a história de dublês de filmes asiáticos que resolvem ser heróis numa nova produção. Filmar as cenas desse novo programa de TV, criar fantasias com massinha de modelar e fita crepe, combater monstros e tentar ganhar algum dinheiro e fãs são algumas das tarefas do trabalho.
Já o game brasileiro de ação “My Night Job”, inspirado em filmes de horror dos anos 80, no qual está disponível tanto para jogar no computador quanto para o PlayStation 4. A produção foi lançada neste ano e o objetivo do jogador é defender uma mansão de hordas de monstros. A casa tem vários ambientes, e é preciso ficar circulando entre todos eles para impedir que os inimigos dominem o lugar. Itens inusitados, como guarda-chuvas, são usados para lutar contra zumbis e outros tipos de adversários.
Dentro da exposição ArtGame Brasil pode ser vista um pedaço de papel impresso com a lista de armas que provavelmente seria usadas no My Night Job, mas que foram cortadas. Dentre as retiradas está o queijo provolone. Sim, um queijo poderia matar seus inimigos.
De acordo com o professor, ele entrou em contato com seis empresas brasileiras especializadas em jogos do Brasil. “Quase todos trabalhados por pixelart. Dessas, apenas duas empresas conseguiram me enviar os seus esboços”, explicou o docente.
Esses dois jogos têm muita coisa em comum, ambos foram produzidos de forma independente, ambos são inspirados em pixel art e eles possuem referências nostálgicas. A empresa de Chrome Squad é a brasiliense Behold, que foi elaborado a partir de uma campanha num site de financiamento coletivo. Já My Night Job é da paulista Webcore. Os detalhes de cada parte da elaboração do jogo foram expostos, desde os esboços dos personagens, planejamento dos controles de cada personagem, cenários planejados, animação, desenvolvimento do logotipo até a estruturação final.
“Todos os artistas foram simpáticos, toparam na hora e aceitaram o convite. Alguns não faziam a menor ideia onde estava esse material, mas tentaram. Outros tiveram bastante dificuldades para nos entregar”, comentou.
A primeira parte mostra o trabalho do My Night Job, no qual uma das partes mais interessantes foi um rascunho que está com mancha de café. “Adoro esse rascunho, pois mostra o desespero dos desenvolvedores em fazer uma animação e ele não parou nem com o café derramado (risos)”, analisou Tavares. Logo após, ele mostrou o processo de Chroma Squad e como o desenvolvedor transformou os desenhos esboçados num trabalho de pixel art.
Os dois trabalhos mostram que os visitantes poderão sentir as frustrações, angústias, felicidades e planejamentos que os desenvolvedores tiveram meses pensando para que fosse jogado. Assim como os usuários, os desenvolvedores também vivenciaram o produto, mesmo em maneiras totalmente distintas.
A exposição ficará disponível no Deart até sexta-feira (10) e funciona das 9h às 17 horas. Corram, vale a pena visitar a exposição que fica no anexo do Departamento. Após esta data, a exposição segue para outras cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. A entrada é gratuita.
Sobre Roger Tavares
Roger Tavares é professor do Deart há quatro anos e atua como pesquisador sobre jogos. Possui graduação em Desenho Industrial pela Fundação Armando Álvares Penteado (1992), mestrado em Educação Artes e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Tem experiência na área de Design, com ênfase em Videogame, atuando principalmente nos seguintes temas: videogame, multimeios, software, computação gráfica e interfaces.
Dentro da UFRN, ele realiza disciplinas envolvendo a área de jogos e em outros dispositivos multimídia. É um experiente pesquisador na área de jogos. Além disso, o professor Roger já realizou projetos socioculturais em instituições como Sesc São Paulo, Senac e Pontifícia Universidade Católica (PUC), entre outras.
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