Nota da editora: Sempre achei muito importante minha irmã, Carolina, falar abertamente sobre o assunto, a sua bissexualidade, além de defender a causa. Foram muitas barreiras que ela precisou superar e estão sendo resolvidas. Afinal, são muitas mulheres que precisam dialogar sobre sua sexualidade que muitas vezes são definidas por terceiros, fazendo com que elas não conheçam o seu corpo e os seus prazeres. Sem contar com a LGBTfobia, no qual o Brasil é um dos países que mais matam LGBT. Duas semanas de atraso, o Dia do Orgulho Bi chegou aqui no Brechando.
Alguns anos atrás, por diversas vezes, Lara me pediu para escrever um texto sobre a minha bissexualidade para o dia do orgulho bi. Sempre me recusei. Um misto de “Não tem necessidade” com um receio de sair da minha toca e falar sobre algo que considero tão pessoal. Afinal, minha sexualidade só diz respeito a mim e às pessoas com quem me envolvo, certo? De certo modo sim, mas também não.
Constantemente escuto — inclusive de pessoas que tenho como bem próximas, e até mesmo de pessoas no meio LGBTQIA+ — que estou confusa, uma hora eu vou escolher um “lado”, ou que eu sou lésbica e apenas tenho medo de me assumir, e até que minha orientação é apenas uma desculpa para ser promíscua. Bom, acontece que nada disso é verdade. Não estou confusa, eu sei bem do que eu gosto: pessoas.
Pouco me importa que genital você tem entre as pernas, se você se identifica como homem ou mulher (ou até mesmo nenhum dos dois!), se você me atrai é por alguma característica sua que vai muito além da sua identidade de gênero apenas. A questão da dita promiscuidade foi uma que sempre me fez gargalhar até, porque me parece um pouco precipitado você assumir que eu quero pegar todo mundo só porque eu não vejo gênero como uma barreira pra me envolver romântica ou sexualmente com alguém.
Se você for hétero, por exemplo, ficaria com todas as pessoas do sexo oposto ao seu que existem? Eu, como bi, não ficaria com todas as pessoas que existem. Na verdade, raramente as pessoas me atraem nesse sentido. Não foi nessa vida que nasci piranha, mas não tem problema algum quem gostar de ser, as pessoas são diferentes.
Pouco me importa que genital você tem entre as pernas, se você se identifica como homem ou mulher (ou até mesmo nenhum dos dois!), se você me atrai é por alguma característica sua que vai muito além da sua identidade de gênero apenas.
Quando me descobri bi foi algo estranho. A possibilidade de me atrair por homem E mulher era um conceito alienígena. A combinação de uma descoberta tão íntima nos meus 16 anos também não era fácil pela bomba de emoções que passam no coraçãozinho de uma adolescente. Ou eu gostava de homem, ou eu gostava de mulher, e se eu gostasse dos dois era porque eu ainda não havia me decidido.
De acordo com Instituto Nacional de Medicina dos EUA, a bissexualidade é uma identidade que não significa necessariamente atração sexual igual por ambos os sexos; comumente, as pessoas que têm uma preferência sexual distinta, mas não exclusiva.
No livro “Understanding Human Sexuality”, os autores Janet Hyde e John DeLamater apontam que os gregos e romanos antigos não associavam relações sexuais a rótulos bem definidos, como a sociedade ocidental moderna faz. Homens que tinham amantes do sexo masculino não eram identificados como homossexuais e podem ter tido esposas ou outras amantes do sexo feminino.
O movimento bissexual no Brasil existe há um tempo, talvez começando pela criação do CBB (Coletivo Brasileiro de Bissexual), perpassando pela criação do Bi-Sides há dez anos e chegando atualmente, onde temos uma diversidade de coletivos e trabalhos autônomos enormes.
Constantemente me perguntavam o que eu realmente gostava, e quando entenderam que eu podia gostar dos dois a pergunta mudou para “Tá, mas qual você prefere?”. Por que eu tenho que preferir um só? Por que eu tenho que escolher? Por que é tão difícil aceitar que não estou perdida ou confusa quando digo que não vou escolher e pronto? Eu mesma não tinha a resposta pras minhas próprias perguntas, e questionamentos externos totalmente desnecessários não colaboravam com meu processo de me entender e me aceitar.
Afinal, minha sexualidade só diz respeito a mim e às pessoas com quem me envolvo, certo? De certo modo sim, mas também não.
Teoria da casquinha mista
Gosto muito da comparação com a “casquinha mista”. Existem as casquinhas de baunilha, existem as de chocolate e existem as mistas. Há quem goste só das de baunilha, só das de chocolate, e eu e alguns outros preferimos a mista. A mista não é somente uma mistura de baunilha e chocolate, a mista é uma casquinha completamente diferente! Você não pode fazer uma casquinha mista sem a baunilha, ou sem o chocolate, é necessário que haja a união de ambos os sabores para formar toda uma nova combinação que não é bem baunilha e nem é bem chocolate.
Hoje, depois de muitos diálogos internos, eu sei bem quem eu sou. Não sou “apenas uma fase”, eu não estou confusa, e muito menos sinto o que sinto apenas para depois escolher um lado como se fosse um destino que você aponta no mapa e segue o percurso até chegar ao local indicado. Eu existo, e por muitas vezes também resisto, independente do que opinem. Que nesse texto (atrasado, inclusive) sobre o dia do orgulho bi que todos os que passarem por esse texto possam entender que não tem nada de errado conosco, sintam orgulho de serem que serem quem são porque ninguém melhor do que nós mesmos para lutarmos pelo respeito que nós merecemos.
Sobre Carolina Paiva
Estudante de Ciências Biológicas pela UFRN, também atua como professora de inglês e espanhol, além de redatora freelancer. Sempre está disposta em promover o diálogo dos acontecimentos que não são das caixinhas.
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