“Como assim? A Anitta está vangloriando a parte ruim da Música Popular Brasileira ao falar de quicar a bunda! O funk mostra a parte mais lixo do Brasil! Ela é uma mulher vulgar. Puta!”. Essas são as frases que mais escuto de acadêmicos, pessoas que trabalham com a arte, se dizem fã de música e estudam para caramba grandes intelectuais, como Nietzsche, Bukowski…que falam de sexo, infidelidade e dentre outros prazeres carnais. Como eles não falam de uma forma explícitas e são europeus, artistas do Velho Mundo, eles são considerados cults. O lançamento do clipe “Vai Malandra”, da cantora Anitta, mostra que existe uma linha tênue entre a crítica e o preconceito.
O vídeo mostra uma moça que anda para cima e baixo no Vidigal com as roupas que ela deseja, chama atenção, faz o que tem vontade de fazer e gosta de se divertir, bronzear na laje, jogar sinuca, andar de moto e tomar banho de piscina em dias de calor. Uma forma de dizer que a mulher pode sim ter o direito de fazer o que quiser e não se privar. Apesar da letra falar muito de “quicar o bumbum”, existe dois interlocutores: um homem e uma mulher, no qual o primeiro citado pede para que ela faça o que deseja, mas a mulher responde que só faz o que ela tem vontade e que vai provocar sim. Afinal, se somos todos seres humanos, independente do gênero, todo mundo deveria fazer o que quiser, não é mesmo?
Muitos não aceitam o fato que as regras não estão sendo ditas na nobreza brasileira, mas através das periferias, onde realmente fica a maioria da população brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 11 milhões de brasileiros vivem em favelas, isso porque não foi adicionado aquelas pessoas que vivem em bairros com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Estamos acostumados a olhar as áreas periféricas de nossas cidades através de representações externas ao próprio território. As camadas médias da sociedade, em um ato ora generoso ora oportuno, acostumaram-se a usar o modo de vida da periferia como tema e objeto.
Foi assim que surgiu o funk no Rio de Janeiro. Inspirado no Rock and Roll e a Black Music (principalmente, o grande ídolo James Brown), os DJs como Aldemir da Guia e Big Boy, divulgavam as suas próprias batidas nas comunidades cariocas. Surgindo, assim, os famosos baile da pesada. Nos anos 80, aparece o Furacão 2000 e o DJ Marlboro, no qual começam a fazer os seus primeiros bailes e discos sampleando músicas internacionais e colocando raps cariocas. Clique aqui e confira o que tocava nos bailes do RJ.
20 anos depois do Baile da Pesada nasce a Anitta, que cresceu na periferia carioca e sempre viu a rapaziada criando o próprio som, mesmo com os poucos recursos, que mesmo assim atraía os gringos por ser dançante e criativo (Lembram do “Bucky Done Gone“, de M.I.A ?). Ela sempre soube se quisesse ser artista, tinha que começar por baixo. Foi assim que começou a carreira no Furacão 2000, depois veio o “Show das Poderosas” e muitos pensavam: “Ela vai parar apenas por aí, assim como a Kelly Key com o Baba Baby”.
Estávamos enganados, vimos que tinha bastante influência dos artistas internacionais, mas quis criar a sua própria identidade visual. Ela aos poucos começou a sair do funk e rapidamente ingressou na música pop, fazendo com que as pessoas se acostumasse com a sua imagem. O ano de 2017 foi dela e principalmente por fazer parcerias internacionais de sucesso.
A ex-funkeira, crescida em bons colégios públicos e trabalhou como estagiária na Vale, sabia que tinha que ser esperta e ter diferencial para conquistar os gringos. Eles já gostam da batida do funk carioca, mas precisa muito mais que isso. Sabendo de que a gente é complexo (“O Brasil não é para amadores”), mas ao mesmo versátil, ela portanto, vestiu a camisa da criatividade e mostrou que é possível ser artista, mulher e latina sem precisar perder as raízes, diferente do que aconteceu com a colombiana Shakira (escute os primeiros discos dela e os atuais, vai entender muito bem o que estou falando).
Assim como numa partida de xadrez, ela avançou um peão para começar a partida. Então, fez aquela excelente parceria com Iggy Azaelia, que não foi para frente pelo fato do clipe ser vazado. O bispo podia rapidamente fazer com que a jovem perdesse o jogo com um xeque-mate de bispo, também conhecido como pastor. Podia ser o fim da carreira internacional, mas ela resolveu arriscar mais uma vez. Assim, surgiu o “Sua Cara”, parceria com os djs do Major Lazer, no qual um dos líderes é o Diplo, um dos principais produtores musicais da atualidade, e com a cantora Pabllo Vittar, que foi um sucesso e viralizou na internet. Ao mesmo tempo, veio “Paradinha”, mostrando que também sabe fazer bom som em espanhol e totalmente gravado em Nova Iorque.
O jogo avançou e estava na hora de garantir o seu espaço. Assim, lançou quatro músicas e seus respectivos vídeos, um por mês. Objetivo era conseguir público, assim como ela fez com “Show das Poderosas”, mas com foco nos gringos, quanto mais engajamento, melhor. Uma estratégia de guerra, literalmente, uma guerra de números, engajamento e streaming. Diferente dos outros artistas, ela sabe que os brasileiros estão consumindo e resolveu misturar a brasilidade com o que os brasileiros gostam de escutar na música pop.
Depois veio o “Will I See You”, quando Anitta samba na cara das inimigas, mostrando que canta inglês e não apenas uns versos. Depois veio “Is That For me”, uma música eletrônica para consumo rápido, atingindo um público internacional que consome música nova como quem respira. No mês seguinte veio “Downtown”, em espanhol, parceria com J. Balvin, que hoje é o cantor latino mais influente no mundo, já escutou “Mi Gente”?
O “Vai Malandra” é a cereja do bolo da estratégia internacional de Anitta, no qual ela volta as origens e não mascara ou romantiza a favela. Explora desde as suas celulites na bunda, passando pelos biquínis de fita isolante, até as fiações tortas das ruas estreitas da favela, diferente dos programas de turismo no Rio de Janeiro. A ideia aqui é mostrar o quanto nós podemos ser iguais aos do norte.
Um outro diferencial, ela soube se arriscar. Se um single não foi bem esperado, partia para outra.
A carioca do subúrbio de Honório Gurgel está mostrando que o Brasil pode com as próprias pernas, com criatividade e sem precisar daquele complexo vira-lata que a sociedade intelectual brasileira adora fazer.
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