Algumas pessoas acham que religião é apenas aquilo em que acredita, porém existe uma gama de crenças existentes. Além das religiões de origem cristã, os nossos ancestrais vindos da África também trouxeram o candomblé e similares. Infelizmente, muitos simpatizantes do candomblé sofrem preconceitos cotidianamente. A estudante de educação física, Daniella Araújo, recentemente relatou que sofreu preconceito quando foi fazer a carteira de identidade e relatou o problema através das redes sociais.
O que é o Candomblé? De acordo com o dicionário:
candomblé
substantivo masculino
RELB
religião animista, original da região das atuais Nigéria e Benin, trazida para o Brasil por africanos escravizados e aqui estabelecida, na qual sacerdotes e adeptos encenam, em cerimônias públicas e privadas, uma convivência RELIGIOSA com forças da natureza e ancestrais. p.ext. qualquer das seitas derivadas do candomblé ortodoxo, que sofreram processo de inclusão de heterodoxias (elementos de origem banta, do baixo espiritismo, de mitos ameríndios etc.).“os c. angola-congo” p.met. local ou construção onde se pratica essa religião ou se cultuam essas seitas. p.met. a liturgia, as cerimônias dessa religião, dessas seitas.“assistir a um c. de grande beleza”
indivíduo da estrutura dignitária ou crente de um candomblé de caboclo.
Daniella estava com o Ojá na foto 3×4 para emitir a sua carteira de identidade, quando uma das funcionárias disse que ela não podia tirar a fotografia com o instrumento religioso. Então, ela teve que fazer uma outra fotografia com a cabeça exposta.
“Precisamos mudar essas normas”, comentou através das redes sociais.
Em alguns estados brasileiros, as fotografias da carteira de identidade precisam ter um fundo limpo, impressas em papel fotográfico, não podendo ser feito em qualquer espécie de cobertura de cabeça, como lenços, chapéu ou boné. Entretanto, Minas Gerais e Paraná permitem imagens com a cobertura na cabeça por motivos religiosos.
Confira o desabafo a seguir no Facebook:
Em entrevista ao Brechando, Daniella, também integrante do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DCE/UFRN), afirmou que não é a primeira vez que sofre com problemas por causa da religião, visto que já presenciou “olhares atravessados, piadas de mal gosto, comentários ignorantes com relação ao processo de iniciação e alvo de apelidos desagradáveis.”.
“Isto é algo muito constante e dolorido. Mas eu lutarei contra a intolerância religiosa”. Araújo comentou que isso não acontece apenas quando é para tirar um simples documento, mas também na universidade/escola, na rua, em casa e no trabalho.
O Ojá, citado nesta matéria, é um turbante usado na religião do candomblé e cada pessoa seguidora utiliza um determinado ojá. No caso de Daniella, o dela é usado para quem está no processo de iniciação à religião.
“Vejo que o estado brasileiro faz questão de invisibilizar os povos e comunidades tradicionais de matrizes africanas e isso se reflete nos preconceitos diários que sofremos, por exemplo, o fato de no momento em que vou tirar minha identidade uma pessoa pede para eu retirar meu Ojá dizendo que é um elemento que atrapalha minha identidade”, lamentou.
A sua conversão oficial à religião aconteceu neste ano. “O tempo de inserção que conto como válido é o valor cultural que cultuo, minha respeitosa e intensa relação com meu orixá, com meus irmãos mais velhos e mais novos, com meu Pai de Santo e os conhecimentos adquiridos que fortalecem meus passos nesta caminhada espiritual. Neste ano recebi o chamado de minha mãe Iemanjá, onde atendi de prontidão, então precisei me iniciar na religião, ou seja, fiz o Santo”, relatou.
A jovem disse que as pessoas não deveriam pedir ou intrometer na identidade alheia, visto que muitas religiões utilizam pano como forma de demonstrar que participam de um determinado segmento e não como um instrumento de decoração.
Vale lembrar que o Brasil é considerado um estado laico. Quer dizer, não segue regras de nenhuma religião. Apesar de existir na Constituição e em diversas leis vários textos que defendem a pluralidade dos elementos culturais brasileiros, na prática a realidade é diferente.
“A desigualdade ainda existe, mesmo com o estatuto da igualdade racial, que é um documento que apresenta um leque de proposições de políticas públicas nos campos do direito à educação, diversidade, saúde, valorização da cultura de Matriz Africana e da tradição africana no Brasil, também destaca garantias à liberdade de condições necessárias para o exercício das práticas tradicionais de Matrizes Africanas e desta nossa herança cultural. Então, como o outro pode interferir na minha identidade? Isso é um absurdo”, alegou.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo 2010, a capital do Rio Grande do Norte possui 311 pessoas que são praticantes dessa religião. Daniella está inclusa na lista das 163 pessoas de até 25 anos que estão inseridas na religião do candomblé.
Contando com a Umbanda, outra religião vinda da África, eles são 570 natalenses.
O mesmo censo do IBGE apontou a existência de 0,3% dos praticantes de Umbanda e Candomblé no Brasil. Apenas na região Sudeste, este número aumenta para 0,4%.
A desigualdade com as religiões africanas acontecem até em grandes eventos internacionais. Nessa semana, as religiões de matriz africana não foram representadas no centro ecumênico da vila olímpica do Rio de Janeiro. O espaço foi contemplando apenas os seguidores do cristianismo, hinduísmo, judaísmo, budismo e islamismo.
No dia 27 de junho houve uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para discutir sobre a intolerância religiosa, visto que muitos praticantes do candomblé são ameaçadas por pessoas que não concordam com sua crença.
Dentro da audiência foi debatido a criação do Fórum Inter-religioso, criado na 1ª Conferência de Igualdade Racial, mas que nunca teve nenhum desdobramento há algum tempo.
Recentemente, uma Casa de Culto Afro Aborígine, na cidade de Areia Branca, foi saqueada e incendiada. Em São Gonçalo do Amarante, houve uma tentativa de assassinato por uma sacerdotisa do Candomblé pelo fato de ser negra e lésbica.
“A Igreja e o governo em determinados períodos da nossa história chegou a julgar como criminoso o culto aos nossos orixás. Por qual motivo? Candomblé é uma religião de matriz africana trazida para o Brasil por negros num período de escravidão. Como sabemos os negros eram tratados de forma desumana, negociados como mercadoria comum, vendidos em feiras livres, seu único valor estava na força de trabalho prestada ao homem branco. Suas crenças e valores também foram escravizadas. Então, as besteiras que falam hoje do Candomblé representa resquícios fortes do racismo semeado na história conservadora do nosso Brasil.”, explicou.
Finalizo esta matéria apontando que o direito de criticar religião está garantindo na liberdade de expressão, mas atitudes agressivas, ofensas e tratamento podem ser crimes inafiançáveis e imprescritíveis.
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