Um dos argumentos mais senso comum dos historiadores potiguares é apontar a ausência da população negra no seu passado. Mas, estão vindo novas pesquisas que negam esta hipótese. A escravidão marcou profundamente o Rio Grande do Norte durante o período colonial e imperial, deixando um legado que moldou a economia, a sociedade e as relações de poder na região.
Apesar de sua menor escala em relação a outras províncias do Brasil, o trabalho escravo foi essencial para sustentar atividades como a agricultura e a pecuária, concentrando-se nas mãos de grandes fazendeiros. No entanto, esse sistema opressor não permaneceu sem resistência, uma vez que fugas, formação de quilombos (ou mocambos) e estratégias para conquistar a liberdade revelam a luta dos escravizados para romper os grilhões da servidão.
Ao mesmo tempo, o século XIX trouxe novas dinâmicas políticas e sociais, com o governo imperial buscando mapear a população e integrar grupos marginalizados em um projeto de nação profundamente elitista.
Concentração de Cativos e a Economia Local
No Seridó, onde hoje está localizado a cidade de Caicó, a maioria dos pequenos proprietários de terra possuía apenas um escravizado, enquanto os grandes proprietários chegavam a manter até 32 cativos. Embora o custo da aquisição de escravizados restringisse esse investimento a poucos, o trabalho escravo foi indispensável para a sustentação econômica da região.
Em 1844, o Rio Grande do Norte contava com 149.062 habitantes, dos quais 18.143 eram escravizados, representando cerca de 12% da força de trabalho. Esse percentual evidencia o papel central do trabalho cativo, mesmo em uma província de menor peso econômico no cenário nacional.
Resistência e Estratégias de Liberdade
Desde os primórdios da colonização, a resistência à escravidão no Rio Grande do Norte foi frequente. Um episódio emblemático ocorreu em 1727, quando colonos solicitaram ao capitão-mor a destruição de um mocambo localizado na ribeira do rio Trairi, que reunia mais de 40 negros armados, suspeitos de praticarem roubos e ataques a propriedades rurais.
Durante o século XIX, processos criminais e registros de jornais mostram que as fugas se tornaram uma das principais formas de resistência. Além disso, os escravizados de ganho — aqueles que trabalhavam para terceiros mediante remuneração — desempenharam um papel crucial, utilizando seus ganhos para melhorar suas condições de vida, adquirir utensílios, investir em pequenas criações e até poupar para a compra de sua liberdade.
A conquista da alforria, porém, nem sempre era simples. Mesmo com os recursos necessários, os escravizados dependiam da vontade do senhor para obter a carta de liberdade. A Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, foi um marco importante ao obrigar os proprietários a aceitarem a indenização pela alforria. Independentemente de sua vontade, dando força legal ao direito à liberdade.
Outro aspecto relevante da resistência escrava foi a utilização de “brechas camponesas”. Em dias santos ou finais de semana, os escravizados podiam cultivar roças para consumo próprio e venda do excedente. Para os proprietários, essa prática reduzia custos de manutenção e criava uma forma de fidelização da força de trabalho. Para os cativos, porém, significava uma oportunidade de autonomia relativa, permitindo que cuidassem de suas famílias, acumulassem recursos e preservassem elementos de sua identidade.
Tensões Políticas e Identidade Nacional
A transição do Brasil Colônia para o Império trouxe novos desafios e tensões. Após a Independência, o governo imperial adotou uma postura centralizadora, buscando conhecer a fundo a composição da população para melhor administrar recursos e delinear quem seria reconhecido como cidadão. Essa tentativa de controle, contudo, gerou desconfianças e revoltas entre a população negra.
Em 1855, boatos de que o censo geral serviria para escravizar toda a população preta e parda livre provocaram levantes em várias províncias do Norte. Incluindo o Rio Grande do Norte. Em Vila Flor, negros armados compareceram a uma missa, desafiando abertamente a elite local. A revolta forçou o governo imperial a adiar a realização do censo por duas décadas, evidenciando a força da resistência popular.
Essas tentativas geraram tensões que culminaram em revoltas e resistência aberta, como a registrada na cidade de Vila Flor em 1855. Este relato foi analisado no livro “Escravidão no Rio Grande do Norte”, em que evidencia as complexidades do sistema escravista na província e a luta contínua por cidadania e liberdade por parte da população negra.
O Fim do Tráfico e as Mudanças no Trabalho Escravo
O fim do tráfico atlântico de escravizados, em 1850, marcou o início do declínio do sistema escravista no Brasil. Contudo, no Rio Grande do Norte, inicialmente houve um aumento na população escrava. Logo, o reflexo de uma tentativa dos proprietários de compensar as mudanças no acesso à mão de obra. Ainda assim, sinais de esgotamento começaram a surgir.
Os registros de 1855 revelam que a província enfrentava um declínio populacional, atribuído em parte à seca de 1844-1846. A busca por alternativas de trabalho e as pressões sociais pela emancipação começaram a remodelar as relações de trabalho e as estruturas de poder.
A escravidão no Rio Grande do Norte não foi apenas um sistema de opressão econômica, mas também um campo de resistência e transformação. A luta dos escravizados para conquistar autonomia dentro do cativeiro e, posteriormente, alcançar a liberdade completa deixou marcas profundas na história da província e do Brasil.
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