A cantora Khrystal já dizia há mais de 10 anos que o preconceito do potiguar, mais precisamente do natalense, vem do outro lado da ponte. A canção “Zona Norte, Zona Sul” é bastante atual e resume bem os fatos que aconteceram nesta terça-feira (15) em Natal. Neste dia, algumas delegacias, ônibus e outros prédios públicos e privados destruídos pelo fogo.
Pajuçara, Igapó
Potengi e o meu Gramoré
Do lado que eu quero morar
Se vive na base da fé
Santa Catarina abençoa
Panatis e Santarém
E a Itapetinga nos leva
Às Fronteiras da Nova Natal
Não tape o sol com a peneira
Maquiando o cartão postal
Me olhe dentro do meu olho
Me trate de igual pra igual
Os fatos que aconteceram hoje mostram um RN que está nu, com seus problemas sociais expostos empurrados para debaixo do tapete anos após anos. Como resultado, deu liberdade uma visão elitista e limitadora em mostrar a periferia como um local perigoso, sujo e “fábrica de bandidos”. E com uma narrativa caótica. Seguindo os conceitos de eugenia vindos dos bairros da antiga Cidade Nova, que já mencionamos no Brechando.
Enquanto a zona Sul estava voltando de seus carros para proteger as suas casas de ladrões, essa população que mora nesses bairros foram tão escorraçados hoje. Tiveram como castigo de perder um dia de trabalho para colocar o pão na mesa.
Ou ficar mais de 40 minutos para esperar o direito de se encontrar a família. Enquanto isso, as notificações da tela do celular mostrava o seu lar com visão de que está em situação de guerra.
Isso se tivesse a sorte do patrão ou algum colega de trabalho que deu carona ou pagou um aplicativo para fazer a sua viagem.
E mesmo que possa colocar todo tipo de segurança por Natal ou adicionar prédios espigões para esconder as favelas nos próximos dias, o terrorismo vai explodir novamente. Precisa-se adicionar escolas em lugares de difícil acesso, fornecer opções de lazer (quadra, praças, espaço cultural…), saneamento básico ou projetos sociais nos bairros mais distantes.
A desigualdade social do RN se apresenta quando fazemos uma comparação de quantas escolas públicas têm Mãe Luíza e quantas têm em Capim Macio a partir de uma pesquisa no Google.
É de fato que a maquiagem para esconder os lugares considerados feios trazem sérias consequências e podemos utilizar fatos históricos para comprovar. Um exemplo está a criação de grupos criminosos para fazer a administração alternativa, como traficantes e milicianos. O Massacre do Carandiru, por exemplo, ajudou a fomentar a criação do Primeiro Comando da Capital, o PCC. A Chacina da Candelária também ajudou a surgir o sequestrador do ônibus 174.
As Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) não surtiram efeitos e hoje vemos um fenômeno que cresce no Brasil o chamado narcopentacostal. Onde religião, milícia e tráfico de droga se misturam em um fenômeno só. Mostrando a falsa sensação de que estão dispostos a ouvir aqueles que sempre foram mostrados com um erro ou que não existem diante da sociedade.
Natal, assim como outras capitais do Brasil, trazem uma sensação de que essa desigualdade é só a consequência de que não se esforçou o suficiente ou nasceu para ser essa função. Algo que é replicado também em igrejas pentecostais (outras instituições religiosas), políticos neoliberais e também em veículos de grande audiência.
Podemos utilizar de contra-argumento a partir da visão do sociólogo Darcy Ribeiro, que defendia o acesso às escolas e condições básicas para comunidades carentes, sob o argumento de que as camadas populares são o verdadeiro povo brasileiro e conhecedor verdadeiro dos problemas socioeconômicos.
Ele já dizia que a desigualdade é a consequência da história da formação e criação de um sentido duvidoso sobre a sociedade brasileira. Esse pensamento dúbio se refere a cultura de miscigenação, onde mascara os preconceitos raciais, utilizando a justificativa de que o país é igualitário por ter gente de diversas etnias. Entretanto, ainda se coloca as características do povo em “caixas”.
O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.
Darcy Ribeiro
Portanto, não adianta acabar com pobreza utilizando maquiagem, falsos discursos e distopias, mas com ações que permitam o povo brasileira tenha equidade de direitos e acesso ao mínimo para garantir a sobrevivência humana.
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