O Santo Daime é uma religião brasileira, com raízes na Floresta Amazônica. Consiste em uma doutrina espiritualista que tem como base o uso sacramental de uma bebida enteógena, a ayahuasca. Nos rituais sempre há uma forte presença musical. São sempre cantados hinos religiosos e são usados maracás, um instrumento indígena ancestral, na maioria dos locais de culto, além de violas, flautas, bongôs e atabaques.
O chá é feito a partir da mistura das folhas da Chacrona (Psychotria viridis) e do Cipó-mariri (Banisteriopsis caapi). A Chacrona contém a triptamina psicodélica N, N-DMT (dimetiltriptamina), que se parece bastante com a serotonina, neurotransmissor que parece estar envolvido na depressão, que regula processos emocionais e estados de humor. O Cipó-mariri contém inibidores da monoamina oxidase, potencializando a ação das substâncias contidas na folha, fazendo com que a N, N-DMT se mantenha por mais tempo em circulação no organismo.
Surgiu no estado brasileiro do Acre, no início do século XX, tendo como fundador o lavrador e descendente de escravos Raimundo Irineu Serra, que passou a ser chamado dentro da doutrina e por todos que o conheciam como Mestre Irineu. Após conhecer a bebida sacramental chamada de ayahuasca pelos nativos da região Amazônica, Irineu Serra teve uma visão da Virgem Maria, em que um ser espiritual superior lhe entrega a missão do Santo Daime. Ou seja, ele transformou o chá em um símbolo do cristinianismo.
Não há benefícios médicos comprovados cientificamente do uso do Chá de Ayahuasca. Sua ação nos receptores serotoninérgicos 5-HT2A podem levar a alterações de personalidade e também está relacionado com baixo risco de episódios psicóticos, principalmente em indivíduos com histórico familiar de Esquizofrenia, Transtorno Bipolar e Depressão Psicótica.
Estudos em humanos que evidenciam melhora de quadros depressivos, ansiosos e de dependentes de drogas apresentam falhas metodológicas importantes, devendo ser replicados para poder garantir confiança em seus resultados Há casos de interação do uso de Ayahuasca com antidepressivos, levando a Síndrome Serotoninérgica, efeito colateral que causa tremores (principalmente nas pernas), diarréia, insônia, confusão mental e pode levar a morte.
No entanto, estudos dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através do Instituto do Cérebro (ICe), comprova o uso do chá utilizado pelos índios para ter visões ajuda na depressão.
Intitulado de “Efeitos antidepressivos do psicodélico ayahuasca em depressão resistente a tratamento: um ensaio randomizado com placebo-controlado”, a pesquisa demorou um ano e cinco meses para ser publicada no periódico britânico Psychological Medicine. Com enorme repercussão, o estudo é realizado desde 2011 e consistiu na realização de testes controlados durante sete dias, com 29 pessoas, das quais 21 mulheres e oito homens, entre 19 e 59 anos, que conviviam com a doença há 11 anos, em média. Deste grupo de pacientes com depressão resistente ao tratamento, dois sub-grupos: 14 receberam ayahuasca e 15 receberam placebo.
O psicodélico foi enviado à UFRN pela igreja Barquinha, de Ji-Paraná (RO). O placebo foi desenvolvido a partir de componentes que faziam lembrar a cor e o sabor da ayahuasca.
Os testes foram administrados no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), com acompanhamento de dois pesquisadores. Os resultados chamaram atenção e demonstraram persistência na melhora dos participantes que ingeriram a ayahuasca em relação aos que usaram o placebo. Sete dias após a sessão, o efeito aumentou e 64% dos pacientes responderam à ayahuasca, enquanto 27% responderam ao placebo.
A ayahuasca atuou sobre áreas do cérebro sensíveis à serotonina, neurotransmissor importante no sistema nervoso central, capaz de inibir reações como ira, agressão, temperatura corporal, humor, sono, vômito e apetite. Neste caso, ao ativar partes do cérebro que respondem à serotonina, o chá provoca uma reação em cadeia que altera a comunicação neuronal e modifica a organização do cérebro.
Embora a pesquisa não permita assegurar que os resultados são permanentes, carecendo de novos estudos, a comparação da ayahuasca com o placebo significou um grande diferencial neste estudo. “Os efeitos foram semelhantes aos que observamos anteriormente no nosso ensaio aberto, em que os pacientes apresentaram melhora já nas primeiras horas após a ingestão da ayahuasca”, confirmou Jaime Hallak, professor de psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e coautor do estudo.
O Dráulio Araújo, coordenador do laboratório de Neuroimagem Funcional do ICe-UFRN, chama atenção para o novo momento das pesquisas com psicodélicos. Para ele, há uma nova onda a caminho, permitindo que se recupere o tempo perdido em relação aos estudos de seus componentes. “Essas são substâncias poderosas que devem ser tratadas com grande respeito e usadas em ambientes e com intenções apropriados”, enfatiza Araújo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) existem 300 milhões de pacientes com depressão no mundo; destes, 100 milhões não respondem aos antidepressivos comerciais disponíveis. A situação gera grande desafio para a área médica e pesquisa no campo da saúde no país.
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