Sempre me chamou atenção os artistas considerados malucos pela sua geração. O Sérgio Sampaio, por exemplo, na década de 70, era considerado o Maldito da MPB. Já na Bossa Nova, o João Gilberto sempre preferiu se esconder por trás dos holofotes. O Tom Zé, por sua vez, começou na Tropicália e ao longo de sua carreira se afastou do movimento, fazendo uma música autoral, misturando elementos do Nordeste e também do samba. Com 81 anos de vitalidade, fazendo exercícios de alongamento para acabar com a sua dor de cabeça, o cantor e compositor natural de Irará, no interior da Bahia, praticamente fez um monólogo ao falar de sua trajetória no Festival Literário de Natal (FLIN). Tirando o ar de que todo evento em seu primeiro dia é uma chatice.
Por mim, deixava o Tom Zé com seu monólogo durante os quatro dias de evento. Falando em Tropicália, o primeiro dia tinha como foco central este importante movimento no final da década de 60. Na tenda Moacy Cirne, por exemplo, exibia um documentário sobre Torquato Neto, um dos importante parceiros musicais de Caetano Veloso.
Voltando ao Tom Zé. Inicialmente, o bate-papo teria como tema: “Tropicália Lixo Lógico”, nome de um de seus trabalhos. Porém, ele praticamente contou a sua autobiografia, provocando risadas na plateia e também do André Vallias, mediador do bate-papo e é poeta visual e hoje é produtor de web. O que os dois têm em comum? O fato de usar a imagem e a linguagem em seus trabalhos.
“Gente, me avise quando terminar o tempo, porque gosto de falar bastante e por mim ficava aqui a noite toda”, alertava. Inquieto por natureza, afirmava que odiava formalidade. “Não quero que esse bate-papo pareça uma conferência, pois é uma merda. Ninguém aqui é doutor”, contou.
A maluquice de Tom Zé causou altas risadas na plateia, principalmente quando pedia ajuda da esposa para fazer cálculos sobre a sua idade em um determinado ano. Zé fazia diversas digressões para chegar no foco principal da pergunta de Vallias. “Estou sujeito a tudo, mas sempre vou continuar tentando”, disse o baiano.
O compositor falou do início de sua carreira em Irará, quando se mudou para Salvador com o objetivo de terminar os estudos, do contato com o violão e da tentativa fracassada de cantar para a primeira namorada. “Eu era muito envergonhado, achava que não prestava para o palco.”.
Iniciou a sua carreira fazendo jingle. Dizia que para montá-los, colocava as notícias sobre o político na sala de estar e foi assim que surgiu o seu “jornalismo musical”. Isto estimulou a sua participação na televisão em Salvador na década de 60 e, assim, para ele, nasceu a sua carreira de cantor.
Daí por diante não parou mais, compôs “2001”,em parceria com Rita Lee; e “São São Paulo, meu amor”, vencedora do IV Festival de MPB da TV Record, em 1968. Nesse tempo grava seu primeiro disco, “Tom Zé – Grande Liquidação”, que tematiza a vida urbana brasileira. “Muito difícil fazer música falando do cotidiano e, principalmente utilizando o verbo no presente do indicativo.”.
Depois migrou para Tropicália, onde participou do clássico disco, com a presença de Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes. Embora negue o título de tropicalista, ele reconhece a importância do movimento musical, impulsionada, principalmente, por Gil e Caetano. O assunto principal da mesa seria sobre a Tropicália, mas os devaneios de Tom Zé não permitiram. “Queria falar mais, mas não vai dá tempo”, lamentou.
Após fugir da Tropicália, começou a fazer diversos experimentos musicais, onde nasceu os discos “Estudando o samba” e “Todos os Olhos”, conhecido pela icônica capa de uma biloca posicionada no ânus para parecer com o olho humano. “Tinha que ter muito culhão para colocar um cu na capa em plena época da Ditadura Militar. Décio Pignatari não contou na época o que ele fez. Nem a mim e nem a gravadora. Admiro demais a ousadia.”.
A inovação musical não foi compreendida na época e isso fez com que sumisse da cena musical. Retornou nos anos 80 quando o norte-americano David Byrne, líder do grupo Talking Heads, o descobriu em ‘Estudando o samba’. A compilação ‘The Best of Tom Zé”, da gravadora de Byrne, foi o único álbum brasileiro a figurar entre os dez discos mais importantes da década nos EUA. Desde então, Tom Zé vêm sendo crescentemente prestigiados pelas novas gerações.
Sobre os eventos culturais, Tom Zé disse que todas as cidades deveriam estimular a cultura e disse a seguinte frase. “Natal, bote para quebrar nestes eventos”. Após o bate-papo, o cantor fez uma apresentação cantando os seus maiores sucessos e com um pique melhor que muito jovem por aí.
Confira a seguir as fotos do primeiro dia do Flin:
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