O Brechando esteve presente no final de novembro na charmosa cidade de São Miguel do Gostoso, localizada a cerca de duas horas de Natal, durante a Mostra de Cinema Gostoso. Este evento reúne primeiramente amantes da sétima arte em um cenário único: uma sala de cinema ao ar livre, com 700 lugares, à beira da praia.
Durante quatro dias, o público teve a oportunidade de assistir a uma mostra competitiva de curtas e longas-metragens. Entre as produções exibidas, destacamos o filme “Deserto de Akin“, de Bernard Lessa, uma obra marcante rodada no Espírito Santo, um dos estados mais bolsonaristas do país.
Um pouco da nossa entrevista com atores do “Deserto de Akin” na Mostra de Gostoso
O longa-metragem narra a história de Akin, um cubano com ascendência angolana, que está há um ano no Brasil. Em meio às suas tentativas de se descobrir como médico, cidadão e pessoa, Akin, logo, assume a responsabilidade de organizar a Unidade Básica de Saúde da pequena cidade onde trabalha. Paralelamente, ele aprende a dançar forró e vive um romance com Erika, uma moradora local.
O Brechando conversou com os atores principais no dia seguinte à exibição do filme. Sobre o processo de se adaptar ao idioma e à cultura brasileira, que aconteceu numa questão de dias, Reynier Morales, o intérprete de Akin destacou:
“Acho que tem muitas palavras iguais ao espanhol, mas também tem todas essas palavras que são iguais ao espanhol, mas há outro significado para nós. Aprender português, aprender qualquer coisa, acho que tem que dedicar um tempinho aí, todos os dias. Do contrário, é muito mais difícil ainda.”
Mas a jornada de Akin vai além dos desafios linguísticos. A trama se passa em 2018, ano marcado pelas eleições presidenciais que culminaram na ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.
Esse contexto político cria, portanto, um pano de fundo de tensão para a história. Além disso, enfrenta o crescimento do conservadorismo ao seu redor, Akin descobre novas facetas de sua sexualidade e entra em um relacionamento poliamoroso. Além disso, essa dualidade entre o íntimo e o social é abordada de forma sensível no longa.
“Até no Deserto de Akin fala um pouco dessa bissexualidade de Akin, que estava meio que aflorando por causa das leis. Ainda mais estava encontrando uma nova alegria, que em Cuba não seria possível.” — comentou o ator.
O filme, além de contar a história pessoal de Akin, reflete as mudanças de uma sociedade em transformação, marcada por incertezas e polarizações.
A atriz Ana Flávia Cavalcanti, que interpreta Erika, por sua vez, comentou sobre o poder da resistência emocional e coletiva para superar tempos adversos:
“Eu acho que o filme apresenta uma forma de resistir, são muitas formas de resistir, tanto que resistimos, mas uma que a gente consegue ver no filme de uma maneira clara é através das emoções humanas, do amor, do ficar junto, do insistir no outro, do dizer fica, eu quero você.”
Filme “Deserto de Akin”, em exibição na Mostra de Gostoso, fala sobre resistência
Ana Flávia também enfatizou que, embora o presidente Lula tenha sido eleito em 2022, ainda é cedo para afirmar que o bolsonarismo ficou no passado.
“Desde o impeachment da Dilma, que foi um absurdo, até o Lula ganhar agora o ano passado, a gente seguiu resistindo. E ainda segue.”
Com coragem e sensibilidade, “Deserto de Akin” constrói um retrato que vai além de uma narrativa de autodescoberta pessoal. Ele nos convida a refletir sobre o impacto das mudanças políticas e sociais em nossas vidas, lembrando-nos da força de resistir e reinventar-se mesmo nos momentos mais difíceis. É o tipo de filme que não só cativa, mas também ecoa, muito após os créditos rolarem na tela.
Outros filmes exibidos na Mostra de Gostoso
Além de “Deserto de Akin”, também assistimos o documentário “Tijolo por Tijolo”, que conta de forma divertida e inteligente a história de uma família de Pernambuco que durante nove meses teve que lutar para construir uma casa, administrar três crianças, gravidez de novo rebento e a luta para fazer laqueadura, tudo isso criando conteúdo no Kwaii para ganhar o seu sustento.
No primeiro dia da mostra, assistimos a dois filmes marcantes. O primeiro, “Ministra do Lixo”, produzido pela própria organização do evento, narra a história de Anna, uma suíça médica que desenvolve políticas públicas para reduzir o lixo e melhorar a saúde da comunidade. Ademais, o filme emociona pela profundidade e pela mensagem de que a educação é uma ferramenta essencial para superar desigualdades.
O segundo filme, “Kubrusly: Mistério Há Por Aí”, teve uma pré-estreia emocionante. Antes da exibição, contudo, os realizadores e o próprio Maurício Kubrusly foram ao palco, onde o jornalista foi homenageado por sua carreira e contribuição à cultura brasileira. Por conseguinte, o documentário, que estreia no Globoplay em 4 de dezembro, conta a trajetória de Kubrusly no jornalismo cultural e sua batalha contra a demência, além de relembrar seu famoso quadro no Fantástico.
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