Na segunda-feira (4) encontraram o corpo de Maria Fernanda, uma menina que morava na Grande Natal, estava se destacando no esporte, tinha sonhos e uma vida pela frente. Sua vida foi interrompida por uma carona. Ela só queria chegar mais rápido na escola. Quantas vezes pensei entrar no carro de conhecido só para facilitar a minha vida, achando que a pessoa só estava sendo legal comigo. Momento triste, vulnerável. Em minha concepção como mulher é que quando uma menina/mulher morre, todas nós morremos um pouco.
As pessoas falam tanto que a gente precisa ter medo dos ladrões que estão na esquina para roubar nossos bens materiais, mas, na verdade, os piores bandidos estão mais perto da gente, na sua casa, ciclo de amizades e mais próximo do que você imagina. Maria não imaginaria que seu vizinho iria lhe matar de uma forma tão cruel e dizer aos quatro cantos do mundo que eram “namorados” e iriam para um encontro, sem pensar nos filhos e a esposa dele. Ela não está viva para defender de absurdos.
Mesmo que esse absurdo fosse verdade, ela só tinha 12 anos e mais de 20 anos de diferença, choques geracionais e experiências que não condiziam para um relacionamento amoroso/sexual. E não estou falando do código penal e muito menos de suas características psicológicas. Poderiam dizer que isso só aconteceu porque a Fernanda vinha da periferia potiguar, mas meninas que moram no bairro do Tirol ou qualquer região nobre de Natal também vivem o mesmo drama: falta de preparo para falar de sexo. Onde há dados científicos, há provas.
Uma cartilha da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) contou que a média da iniciação dos adolescentes é próxima dos 13 anos e a realidade mostra que a noção de sexo cai de ombros sobre professores de ciência e biologia, visto que não há capacitação de profissionais, falta de apoio institucional e medo de conflito com familiares dos estudantes. Resultado? Permanência do número de gravidezes em menores de idade e crimes sexuais. E que frases como “te cuida”, “engravida porque quer” ou “se preserve” não promove o diálogo, mas afasta os jovens de saber das consequências de uma escolha errada.
Cultura do Estupro e da falta do contraceptivo, problemas que poderiam evitar mortes da Maria fernanda e outras meninas
Toda a vida que falam que não existe uma cultura do estupro ou que não devemos colocar educação sexual nas escolas é o combustível para predadores que mataram Maria Fernanda continuem nas ruas e cometendo mais crimes. Afinal, sexo é feio, pecado e não precisa ser divulgado. No entanto, é ensinando sobre genitálias, relações sexuais e corpo humano as meninas saberão a diferença do que é prazer, do que é crime e o que elas devem fazer quando se sentirem incomodadas por meio do toque. Essa falta de cuidado faz com que mulheres e meninas sejam vítimas de estupro ou tenham seus corpos controlados, onde tem que esperar autorização da justiça para a prática do aborto seguro.
Estudo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), estado vizinho ao Rio Grande do Norte, desenvolveu projeto de extensão “Ampliação da oferta do Dispositivo Intrauterino através do treinamento de enfermeiros da estratégia saúde da Família: ação para reduzir gravidez indesejada em tempos de Covid-19”, aprovado no edital PROBEX 2021, que amplia a oferta de DIU por meio da capacitação de enfermeiros da atenção básica. “Esse deve ser um método ofertado na atenção básica e não exclusivo para inserção apenas por meio de médicos obstetras e ginecologistas”, defende em release enviado a imprensa.
Discussão
A discussão sobre saúde sexual e métodos contraceptivos também deve estar voltada às adolescentes. A estudante de Farmácia, Camylla Correia, é voluntária do projeto de extensão e disse, na mesma matéria, que a “Conscientização sobre o uso de métodos contraceptivos para redução da gravidez na adolescência e planejamento familiar” e destaca a importância da comunicação.
“É imprescindível haver um diálogo sobre o uso de métodos contraceptivos para que essas jovens adolescentes desenvolvam uma sexualidade responsável, na qual tenham autonomia e garantia de seu bem-estar, já que assim se torna evitável uma gravidez não planejada e a contração de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)”, defende. Outro problema relacionado ao uso de métodos contraceptivos no Brasil é a dificuldade de sua distribuição no sistema de saúde público.
A também estudante de Farmácia e bolsista do projeto de conscientização sobre uso de métodos contraceptivos, Jayne Fernandes, alerta que, segundo dados do IBGE, apenas nove capitais brasileiras disponibilizam todos os métodos contraceptivos assegurados por lei.
“Essa situação tende a piorar conforme analisamos as cidades mais periféricas do país”.
Dados do IBGE de 2019 mostram que João Pessoa está dentro do grupo de capitais que não oferecem todos os métodos contraceptivos, assim como Natal.
Tabu
Waglânia lembra que a partir dos 13 anos, as meninas podem ter acesso aos métodos contraceptivos sem precisar de consentimento. Assim como podem declarar que desejam receber uma enfermeira ou médica da família e comunidade, sem que esteja na presença dos pais. “O grande problema dos contraceptivos para as meninas adolescentes é a ideia de que a sexualidade das adolescentes tem que suprimir. A gente precisa promover a educação sexual para que elas conheçam o próprio corpo, para que as experiências sexuais aconteçam primeiramente com elas mesmas para depois compartilhar o próprio corpo com outro”, defende a professora.
Segundo o novo relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que reuniu dados sobre 57 países, 9% das mulheres ainda não podem decidir sobre quando usar métodos contraceptivos. No Brasil, a porcentagem de mulheres, entre 15 e 49 anos, que utilizam algum método contraceptivo é de 65%, mas sobe para 80% entre as mulheres casadas. Além disso, 6% das brasileiras, na mesma faixa etária, também têm ou tiveram necessidades não atendidas de planejamento familiar, ou seja, desejam interromper ou adiar a gravidez, mas não usam métodos contraceptivos.
“A grande barreira para chegar orientações sobre métodos contraceptivos para as mulheres tem a ver com a cultura, que ninguém conversa sobre sexo. Quando conseguirmos superar as barreiras culturais e sociais da educação sexual, vamos ter uma sociedade mais autônoma, mais liberta e mulheres com maior empoderamento e com maior autonomia sobre os corpos. É a partir da autonomia do próprio corpo, de decidir o que fazer com esse corpo que a gente se liberta de todas as outras amarras”, finaliza Waglânia.