O aquecimento global pode matar um dos biomas genuinamente brasileiro: a caatinga. Um dos resultados é a maior seca que o Nordeste está sentindo nos últimos anos e o estado do Rio Grande do Norte se encontra em estado de calamidade pública em quase todos os municípios. Porém, uma planta está resistindo bravamente. O vegetal tem o nome científico Cnidoscolus quercifolius, popularmente conhecido como faveleira, assim batizado por produzir uma semente leguminosa em forma de favo.
Foto: Cícero Oliveira
Antigamente, as suas raízes eram consumidas pelo gado e as folhas pelas ovelhas, enquanto a madeira da árvore era transformada em cocho para os animais. A diversão das crianças, por sua vez, era coletar as sementes de faveleira.
Esse resultado foi através de uma pesquisa do professor de geografia Josimar Medeiros, que decidiu plantar a faveleira na propriedade da família, na zona rural de São José do Seridó, distante cerca de 250 quilômetros de Natal.
Josimar observou o crescimento das faveleiras e percebeu que, na verdade, a espécie é mais importante do que se pensava.
Da pequena plantação, brotou a ideia do projeto de pesquisa elaborado por Josimar Medeiros para o doutorado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Prodema/UFRN).
A pesquisa foi tão interessante fazendo com que a equipe da UFRN fosse para lá e divulgar a novidade para imprensa.
A tese, defendida em dezembro de 2017, identificou a faveleira como espécie-chave cultural do bioma Caatinga e destacou seu protagonismo na reabilitação de áreas desertificadas (AD) ou em processo de desertificação (APD).
Para chegar a essas conclusões, o pesquisador realizou observações in loco, revisão da literatura, entrevistas e plantio do vegetal em AD e APD, com auxílio de agricultores familiares.
Na área em processo de desertificação, constatou-se que em 2014 permaneciam vivas 65 das 82 mudas introduzidas por Josimar em 2009, mediante a técnica de uso de embalagens plásticas. Para a área desertificada, os agricultores sugeriram usar tanto as embalagens quanto a sementeira para o plantio das mudas, realizado em 2015.
Um ano depois, das 60 mudas introduzidas com cada técnica, sobreviveram respectivamente 56 e 46. Apesar de os números serem mais favoráveis para as embalagens plásticas, a praticidade de transporte das sementeiras fez com que esta técnica fosse replicada para plantio pela comunidade de São José do Seridó, onde atualmente existem aproximadamente 10 hectares de faveleira.
O irmão do pesquisador, Josenilson Medeiros, foi um dos agricultores que auxiliaram no cultivo da planta. Criador de gado, alimenta os animais com a vegetação rasteira, conhecida popularmente como ‘babugem’, que desaparece nas épocas de pouca chuva e aos poucos estava sumindo permanentemente pelo processo de desertificação – fenômeno causado por efeitos climáticos e ações humanas.
Sem alternativa, ele precisava comprar alimento nas épocas de seca para manter a criação, apesar do difícil retorno financeiro por meio da venda de leite. Após a introdução da faveleira, a realidade apresentou transformações visíveis a olho nu.
Isto mostra que uma simples experiência empírica pode se transformar em um grande projeto científico, ajudando a impedir não só a desertificação, mas também uma forma alternativa de alimentar o gado.
Hoje, Josimar transformou a propriedade da família em um grande campo de pesquisa. Além disso, o docente atua na Escola Estadual Raimundo Silvino, onde desenvolve há mais de 20 anos com seus alunos o plantio de mudas das mais variadas espécies – inclusive a faveleira.
A planta é classificada como xerófita pela adaptação ao clima semiárido e desértico.
Presente na vegetação do Rio Grande do Norte há pelo menos um século, a faveleira tem forte relação com a sobrevivência do povo sertanejo. Essa foi a constatação de Josimar após realizar entrevistas com 57 pessoas, com faixa etária de 30 a 100 anos, residentes em diferentes comunidades nas quais a planta é bem distribuída na paisagem. O grupo apresentou utilidades da faveleira tanto para a alimentação de animais quanto humana, além de ser explorada na medicina popular e ter a madeira aproveitada para a confecção de objetos. De alto valor nutritivo, a semente é a única parte consumida por homens e mulheres, que da matéria-prima produzem a tradicional fuba, biscoitos, bolos e cocadas. Da mesma semente, ainda é possível extrair leite e óleo, potenciais fontes de renda para a população local.
Esses e outros fatores levaram à inédita classificação da faveleira como espécie-chave cultural do bioma Caatinga, pelo papel fundamental para a comunidade humana e a manutenção de sua cultura.
A nova pretensão do pesquisador é comprovar que a planta também é espécie-chave ecológica, dada a importância da sua contribuição para manter o ecossistema.
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