O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Em 2016, foram 127, um a cada 3 dias. A expectativa de vida deles é de 35 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos. Conta-se nos dedos travestis que são idosos. Além disso, muitas são forçadas a trabalhar como prostitutas. Porém, na década de 70, na tradicional Cinelândia, do Rio de Janeiro, algumas travestis tiveram oportunidade de trabalhar como artistas de teatro, como Jane Di Castro, cuja sua história e de mais sete travestis foram contadas no documentário “Divinas Divas”, dirigido pela atriz Leandra Leal.
As meninas trabalhavam no famoso teatro Rival, dirigido pelo avô de Leandra, Américo Leal, e depois administrado pela mãe, Ângela Leal.
No teatro foram descobertas a Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujika de Holliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzio. Juntas formaram, na década de 1970, o grupo que testemunhou o auge de uma Cinelândia repleta de cinemas e teatros. O documentário acompanha o reencontro das artistas para a a montagem de um espetáculo, trazendo para a cena as histórias e memórias de uma geração que revolucionou o comportamento sexual e desafiou a moral de uma época, principalmente a Ditadura Militar.
Elas não podiam andar nas ruas vestidas com trajes atribuídos ao gênero feminino, precisavam encenar os espetáculos primeiramente para os censores, nunca apareciam na televisão, e muitas vezes acabavam sendo presas, agredidas e mortas.
“Fico triste em que ainda existem pessoas que querem a volta deste governo. Só sabe como foi ruim quem sentiu na pele a censura e a dor dos militares. A gente precisa enfrentar estes preconceituosos de frente, como a gente fez”, relatou Jane Di Castro, que concedeu o bate-papo durante o Festival Cine Sol, que acontecia simultaneamente com o Festival Literário de Natal (Flin).
Castro ainda também criticou a ação extremista de alguns religiosos. “Infelizmente, a Igreja deveria fazer um papel de comunhão, mas na verdade planta nos fiéis o ódio nas minorias. Eles não querem saber de amor, mas de dinheiro”, lamentou.
O nome do documentário é baseado numa apresentação que Di Castro idealizou em 2004 e quando completou 10 anos aconteceu uma edição comemorativa, no qual Leandra Leal acompanhou de perto e conseguiu pegar os relatos de cada uma das participantes, além de saber um pouco da vida pessoal, uma vez que elas tiveram momentos de glória e também de ruínas.
O resultado é um trabalho comovente. As artistas contam sobre suas vidas, relembrando os momentos de glória da carreira, a difícil convivência com os familiares, seus amores e a repressão da ditadura. O processo de envelhecimento delas, retratado no filme, evoca no público a dor da passagem do tempo. Por outro lado, passa também uma mensagem de esperança.
Principalmente, pelo fato de casar, no qual Di Castro está há 50 anos com Otávio, que apareceu no documentário lhe entregando flores. Eles se conheceram no teatro, quando o baiano a viu atuando. Ao se conhecerem após o show, Otávio disse: “nossa amizade será eterna”. Apesar de Jane desconfiar num primeiro momento, principalmente porque não encontrava relacionamentos duradouros entre LGBT na época.
A parte que retrata o casamento dos dois é uma das mais emocionantes e sempre recebe elogios quando o filme passa em festivais. Em Natal, isso não foi diferente. “Sempre me emociono quando assisto o depoimento de Otávio, principalmente agora, que completamos 50 anos de casados e neste momento não se encontra saudável.
Jane após a apresentação do Divinas Divas nos deu uma pequena performance, enchendo os olhos de lágrima do público presente com sua performance ao vivo, minutos depois do fim do filme, que evidenciou o valor artísticos das apresentações. O termo Divas não é condescendente. É de impressionar ver senhoras de mais de 70 anos exibirem belas vozes, controle corporal e presença de palco.
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