Será praticamente um manual de como não dá close errado em festa LGBT.
Nascida hétero e convivendo numa família da zona Sul de Natal, onde escutei por muitas vezes que ser gay é pecado. Por muito tempo, quando criança, ficava questionando o porquê de ser errado o fato de duas pessoas do mesmo gênero poderiam namorar ou da falta de representatividade nas novelas. Na adolescência, eu comecei a ter minhas primeiras experiências amorosas e presenciei muitos amigos de sentirem dúvidas do que sentiam. Alguns guardavam isto como se fosse o maior segredo de suas vidas, por conta do bullying. Outros enfrentavam de frente, inclusive em um colégio na burguesia potiguar, no qual importante era beijar as garotas bonitas e paquerar os gays no backstage. A universidade chegou e o período de liberdade das obrigatoriedades escolares estavam sendo desatados e, assim, experimentar coisas novas.
Foi assim que cheguei ao Setor de Aulas II, onde eu via todos os tipos de pessoas, inclusive os LGBT. Foi lá que presenciei amigos tendo a primeira experiência homoafetiva, comecei a conviver com amigos casais, dei conselhos amorosos e vi que a homofobia é real e não é MiMiMi, principalmente quando via pessoas cochichando quando apareciam os casais. Foi, então, que percebi de como deveria ser uma pessoa acolhedora para aqueles que recebem pouco ou nenhum, visto que alguns são expulsos até de casas por conta disso. Mas também aprendi a nunca protagonizar uma luta que não é minha, tenho que apoiar e brigar ao ver que um amigo sofrendo deste tipo de preconceito.
Descobri dentro da UFRN que as festas héteros e elitistas são chatas e insuportáveis, pois ambas tentam engessar os hábitos das pessoas. Foi na mesma instituição de ensino que descobri o pior e o melhor lado das pessoas.
Ainda é pífio a representatividade LGBT nas mídias e sei que um dos poucos cantos que os gays, as lésbicas, os bissexuais e os transgêneros possuem são através das festas. Algo que me admirou bastante presenciando o “Me Brega Funk”, uma festa que serviu para financiar o filme potiguar “Verde Limão”, no qual falará do universo das drag queens em Natal e segundo filme de Henrique Arruda, um dos defensores da comunidade LGBT, que começou no filme “Ainda Não Lhe Fiz Uma Canção de Amor”. Entre músicas alegres, shots de catuabas com arminhas de brinquedo e brincadeiras, as pessoas estavam sendo verdadeiros consigo mesmas.
Ignorando aqueles padrões heternormativos estabelecidos pela sociedade. Muitos gays devem ter escutado: “Você não precisa ser afeminado para ser gay”.
Além de me divertir, fiquei tirando fotos dos participantes e tentei representar com os olhos de um participante.
Foi difícil, falhei nesta missão, pois não posso ser protagonista do movimento LGBT, nunca fiquei engessada em um ambiente de trabalho por ser gay, nunca fui impedida de falar do meu namoro heteronormativo ou nunca fui agredida por gostar de homens. Presenciando uma festa, me sentia feliz, aliviada e admirada pelos convidados ficarem a vontade por fazerem o que quiser, desde andar como drag até fazer beijo triplo. Era aonde a liberdade de expressão e sexual andavam de mãos dadas. Com isso estou entendendo um pouco a proposta de Arruda em falar de um menino que queria ter asas ou da ideia de peça do Thiago Medeiros do João que queria ver os pássaros.
Mesmo tendo drags famosas das antigas, como Pietra Ferrari e Danusa D’Sales. Natal precisava novas caras. Graças às séries, como Rupaul’s Drag Race, houve o crescimento da nova cena drag no estado. Estão surgindo assim a Kaya Conky, as Gabryuri e Potyguara Bardo, que tocou na festa e estimulou o aparecimento de novas drags, como as irmãs Secrets, que fizeram uma apresentação baseada na Pabllo Vittar e Lia Clark.
Agradeço por ter ido ao evento como esse, de ter amigos maravilhosos e que me ajudam a quebrar cada vez mais os paradigmas, evitando que falasse besteira, desconstruindo termos homofóbicos que “eu achava nada demais” e fazer com que eu seja uma ouvinte e não uma oradora.
Mas, espera, liberdade sexual? Sim, expressar a sua verdadeira vontade sexual, mostrar seus sentimentos de forma exposta e a flor da pele, é uma verdadeira liberdade sexual. Isto é revolucionário. Quantas pessoas ainda estão oprimidas sexualmente por motivos religiosos e familiares?
Por falar em revolucionário, são em festas como essas que os assuntos sérios são debatidos de forma mais didática possível e sem precisar ser chato, quando os gays utilizam os termos pejorativos, como “bicha”, a seu favor, para pedir mais respeito ou o impeachment de Temer, uma vez que ele teve como aliados o ex-deputado Eduardo Cunha, forte defensor da bancada evangélica, que são contra casamento do mesmo gênero e lutam para que família seja definida por “pai, mãe e filhos”, que isto não faz sentido nem para famílias heteronormativas, que possuem mulheres como chefes da casa.
Enquanto isso, nas festas consideradas “héteros”, tanto a plateia quanto bandas populares, disseminam frases machistas, fazendo apologia ao estupro de vulnerável, e até mesmo, incentivam mensagens de ódio. E, ainda, expõe o casal gay que foi a festa para fazer piada na internet.
Lá, você poderia dançar o funk ou brega sem ser julgada, ou ser apelidada nada carinhosamente de sem cultura. Andar descalça quando estivesse com os sapatos machucando os pés, sem ouvir uma bronca dos pais. Escutar músicas que escutam na conta privada do Spotify e dançar livremente. Alguns chegaram escondidos, com vergonha ao ver a minha câmera em punhos, mas com o tempo foram se soltando. E, ao mesmo tempo, foi respeitando o espaço do outro, uma espécie de dançar conforme cada um faz o seu passo.
Além disso, estamos passando por uma fase muito boa, os LGBTs brasileiros estão dominando a música brasileira com o seu pop autoral e de qualidade, misturando ritmos brasileiros com batidas eletrônicas, deixando ser apenas mera imitadoras de Britney Spears e Christina Aguilera, algo que abrilhantou a festa.
Não vá querer pagar de protagonista, chegar na intimidade numa festa dessa e tentar forçar a barra usando termos bem homofóbicos (ex: “Ai que desperdício”), pois você não tem a mesma bagagem de coisas ruins e sem contar que é bastante mal educado. A galera vai atrás de você e te recepcionar bem.
A festa “Me Brega Funk” contou com apoios de diversas empresas/coletivos amigos da economia criativa, como “Apartamento 702”, “Dosol”, “Clowns de Shakespeare”, “Centro Cultural Dosol”, “Ateliê Bar”, “Brechando”, “Copo Design” e “Cereja Comunicação”. A produção do curta-metragem é assinada pela Bobox Produções Culturais. O evento contou com discotecagem de Alana Cascudo (Apartamento 702), Jéssica Guerra, Smoking Haus, Emilly Lacerda, Henrique Arruda e da Drag Queen Potyguara Bardo, integrante do filme “Verde Limão”.
Sou Lara Paiva, tenho 31 anos e trabalho como jornalista e publicitária, ambas formações foram na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, trabalho com publicidade e assessoria de imprensa, além de fazer mestrado.
Brechando é um blog desenvolvido desde o ano de 2015, onde conta histórias e curiosidades do Rio Grande do Norte por meio do jornalismo gonzo, além de um texto com característica única.
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