Eles dizem que a vida é um carrossel
Girando velozmente, você tem que saber doma-la
O mundo está cheio de Reis e Rainhas
Que cegam os seus olhos e roubam os seus sonhos
É o Céu e o Inferno
Essa estrofe é favorita da música “Heaven and Hell”, da banda Black Sabbath, no qual antes de discutir sobre o lançamento do filme “Vida Vaza”, que estreia nesta quinta-feira (25), e de ver a produção, eu e o diretor da produção, Carito Cavalcanti, começou a discutir se preferia o finado Ronnie James Dio no Black Sabbath ou no Rainbow, bandas na qual participou antes de deixar a vida terrena em 2010. O Dio era conhecido por mostrar as angústias políticas em suas composições, sempre tratando nas metáforas e outras figuras de linguagem. Assim como Carito está fazendo nesta produção.
Como vocês devem perceber, a estrofe fala da frustração do poder político e que sempre ficaremos frustrados por causa disso e que vivemos entre o céu e o inferno na vida terrena. Algo que está acontecendo, recentemente, nas terras tupiniquins, que deixa eu, você, nossos pais e o próprio Carito angustiado, pois a gente quer saber qual o próximo passo que os políticos brasileiros vão aprontar.
Além disso, o crescimento da violência contra a mulher e ao público LGBT deixaram muitas pessoas ficaram com medo e perguntando: O que vai piorar?
“Não queria fazer um filme político e partidário, queria refletir as angústias que estou sentido e de muitos amigos, que acompanham essas atuais mudanças e alguns retrocessos, também estão na mesma situação. A minha juventude queria mudar o mundo e sempre queria progredir, sendo que neste ano vejo uma geração pior que a nossa, voltando para trás algumas coisas que nunca acharia que iria voltar”, comentou Carito Cavalcanti, no qual afirmou que neste ano está cheio de novas produções a fazer e novos filmes surgirão neste ano, apesar de todos os problemas.
O “Vida Vaza” caiu feito uma luva enquanto produzia, visto que foi um momento para analisar o passado, o presente e o futuro. É um desabafo em forma de vídeo, que dura em torno de 15 minutos. Se identifica, de certa forma. Enquanto Carito realizava o filme, ele relembrou do livro “Poesia Russa Moderna”, que recebeu do seu irmão, o escritor Mário Ivo Cavalcanti, no ano de 1985.
“Ele me deu este livro pelo fato da época estar passando por uma situação bastante pesada na minha vida, no qual estava bastante angustiado”, relembrou. O título do filme foi inspirado no poema “Abro as Veias”, da russa Marina Tzvietáieva (pronuncia-se “tistaéva”), que está dentro deste livro e encaixa totalmente no filme.
Abro as veias: irreprimível,
Irrecuperável, a vida vaza.
Ponham embaixo vasos e vasilhas!
Todas as vasilhas serão rasas,
Parcos os vasos.Pelas bordas – à margem –
Para os veios negros da terra vazia,
Nutriz da vida, irrecuperável,
Irreprimível, vaza a poesia.
Assim como Carito, Marina passou por momentos de frustração quando percebeu que a Revolução Russa, que era para ser uma grande mudança, surgiu um governo ditatorial que era tão pesado quanto o Czarismo. Depois da Revolução Russa teve de exilar-se em Praga, no ano de 1922, mudando-se depois (1925) para França, junto com o marido.
Neste último país viveram catorze anos, ela sempre deprimida. Retornou à União Soviética para se juntar ao marido, Sergei Efron, que retornara para a Rússia, e com sua filha Ariadna, em 1939. Naquele mesmo ano Sergei e Ariadna foram presos, ele sendo fuzilado em 1941. A poetisa, porém, tendo caído em desgraça em seu país, com a desaprovação oficial, não conseguia morada nem trabalho, vivendo em grande pobreza. Durante a Segunda Guerra Mundial, Marina se mudou para o Tartaristão, onde veio a se suicidar em 1941.
Assim como muitos trabalhos do produtor, ele também tem uma pegada experimental, sendo que Carito admitiu que nesta produção ousou mais no experimentalismo, com direito a desfoques e evitando que a câmera ficasse mais estática, desobedecendo as regras da fotografia perfeita.
“Algo que na publicidade nunca iria fazer (risos)”, afirmou o diretor, que também trabalha com vídeos publicitários.
Sobre o filme, a gente falou que comenta sobre angústias e inquietudes da vida. Porém, não especificamos que fala sobre o existencialismo, a condição da mulher, as possibilidades da arte como instrumento de rebeldia. O filme reúne artistas da cidade de Natal que refletem as dores da sociedade contemporânea. Além disso, conta a participação da historiadora Leilane Assunção, que foi a primeira transexual a ser professora dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“É um manifesto poético-musical-imagético em busca da delicadeza perdida”, comentou o diretor, no qual algumas partes do filme mostra a angústia de forma bruta e direta, mas ao mesmo tempo nas entrelinhas.
O “Vida Vaza” ainda conta com a participação de Ana Mendes, Ayrton Alves, Michelle Ferret, Regina Azevedo, Joanisa Prates, Rozeane Oliveira, Paula Vanina (também responsável pela arte do cartaz), Titina Medeiros, Pedro Mendes, Gato Lúdico e Cia Gira Dança. O poema e a narração final foi feito por Marize Castro e a trilha sonora feita por Toni Gregório, que já trabalhou com Cavalcanti em outras produções.
O lançamento desta quinta (25) acontecerá no mezanino do Mercado de Petrópolis, a partir das 19h30. Os 30 primeiros que chegarem ganharão de brinde um bottom do filme. “Vida Vaza” conta com o apoio do Mercado da Foto, Cineclube Natal e ASPERM – Associação dos Permissionários do Mercado de Petrópolis.
Quem assistiu, elogiou bastante o filme. Confira alguns comentários:
“Instigante, reflexivo, provocativo. ‘Vida Vaza’ extravasa o sentido da vida, da memória, da história. Um filme para ser visto – e para ser pensado”. (Emanuel Neri – Jornalista)
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“Filme surpreendente em sua forte poesia, fotografia, visão política. Extremamente oportuno para os atuais dias perigosos em que o fascismo nos ronda. Filme da diferença. da diversidade, da distopia. Encanto, desobediência, desacato e espanto nos convidam a ver ‘Vida Vaza’, de Carito Cavalcanti em excelente companhia.” (Iracema Macedo – Poeta, filósofa, professora no Instituto Federal Fluminense / IFF-RJ)
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“É impressionante como Carito Cavalcanti consegue mixar poetas e atores em momentos poéticos e com o texto da maravilhosa historiadora Leilane Assunção. Uma coisa concreta, uma coisa da realidade, uma coisa do que é vida, com as imagens oníricas e de poesia. Carito está alcançando uma pureza no sentido de uma faca bem amolada, pura, fria e cortante que chega no ponto exato. Carito está amolando seu trabalho de uma forma que ele está ficando agudo, claro, direto no ponto.” (Clotilde Tavares – Escritora)
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“Esta cuidadosa colagem de vazamentos vai crescendo oceanos na nossa cabeça, de forma que o filme é nosso, mas nos transborda. Contraponto poético ao ódio contemporâneo, um filme feminino na força e no rigor. Nele, as mulheres e suas artes nos transformam.”. (Ruy Rocha – Poeta, professor e documentarista)
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“Carito, com sua câmera/poesia em riste, num entrelaçamento com outras poéticas, faz de ‘Vida Vaza’ um campo fértil. Cenário onde a palavra açoita e acolhe, repudia e arrefece, desiste e luta no vai-e-vem do existir.” (Claudia Gazola- Arquiteta e militante feminista)
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“‘Vida Vaza’, poesia e reflexão une as mulheres na obra de Carito. Um documentário poético experimental que nos convida a sentir o feminino. O diretor nos conduz para o filme com infinitos laços entre imagens e palavras que se completam e flutuam para fora do curta, e num instante nosso sentir entra no ritmo da montagem. Carito alinha tudo com fio de ouro – o exuberante bordado feminino”. (Maria Angela Pavan – Professora do Departamento de Comunicação Social da UFRN)
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“O filme ‘Vida Vaza’ de Carito Cavalcanti reúne artistas e poetas da cidade de Natal e conta com o depoimento da historiadora Leilane Assunção. É um manifesto poético-musical-imagético que mescla rostos, vozes, documentos, citações e danças. Carito recusa o perceptível, transforma o real, transcende. Quebra armadilhas. Vale a pena conferir”. (Lisabeth Coradini – Professora Doutora e Pesquisadora do Departamento de Antropologia da UFRN)
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