Sua criatividade aparece espontaneamente, assim como os discretos fios brancos no cabelo. Primeiramente podemos descrever Pedro Rhuas como meio potiguar, meio cearense, meio jornalista, meio escritor, mas juntando todas essas metades formam uma persona inteira. Isso pode ser perceptível, portanto, nesta entrevista ao Brechando. No início do ano lançou o livro “Enquanto eu não te encontro”, surgindo inicialmente após uma decepção amorosa.
O que seria apenas uma forma de desabafar o fim de um relacionamento virou o divisor de águas na sua vida, no qual o e-book será publicado na editora Companhia das Letras. Falamos de música, livros, quarentena, LGBT e dentre outros assuntos neste bate-papo para conhecer melhor o artista, uma vez que esses assuntos fazem parte do seu cotidiano.
Confira a entrevista na íntegra a seguir:
A música veio primeiro ou as letras?
A música não era nada que eu imaginava que fosse viver. Quando adolescente, eu cantarolava melodias da minha cabeça, mas nunca pensei que um dia trabalharia com isso. É uma relação bem oposta à literatura: eu escrevo desde muito jovem e ser escritor sempre foi meu grande sonho. A escrita foi meu escape e minha maneira de me compreender neste mundo não raro difícil em que vivemos conforme crescia. Através da escrita onde eu descobri também, ainda que meio ao acaso, minha voz; comecei a experimentar com composições. Fui tomando gosto pelo negócio. Hoje elas se encontraram!
O que você lia na infância? O que você lê hoje?
Meus pais se mudavam muito na minha infância (ainda se mudam) e minha fonte de magia e apoio era a literatura fantástica. Devorava muita aventura: de Harry Potter à (As Crônicas de) Nárnia. À medida que fui crescendo, realmente comecei a me interessar mais pela literatura jovem-adulto contemporânea. Com personagens jovens e seus dilemas que pareciam mais comigo. Continuo lendo isso tudo, mas estudante de Jornalismo que sou, claro, passei a incorporar outras leituras, como viagem, livro-reportagem, obras sobre exoterismo…
Já a vida adulta e suas decepções me levaram a muitos livros de auto-ajuda também, haha.
Você é do Serido que veio para Natal, como foi essa mudança e como isso ajudou no seu desenvolvimento profissional e pessoal?
Minhas raízes são ciganas. Nasci em Mossoró só porque minha cidade, Icapuí, no litoral do Ceará, não tinha maternidade. A família da minha mãe é de Carnaúba dos Dantas, que é uma ambientação mágica em minhas lembranças. No Rio Grande do Norte, morei em Apodi, Macau, Natal e em Carnaúba. Essa mistura de Ceará e RN que marca minha vida é o motivo pelo qual hoje eu me assumo como poticearense, um neologismo que representa minhas andanças por esses dois estados.
Me mudar para Natal representou um divisor de águas tanto profissional quanto pessoal. Nos cinco anos que passei na cidade, pude me reaproximar de um eu-artístico que tinha ficado em segundo plano. A efervescente cena artística no início da minha graduação, entre 2015 e 2017, me afetou muito e moldou bastante o Pedro que sou hoje. Sou grato demais por isso, vivências que se refletem em minha música e em minha literatura.
Recentemente, você lançou um livro e tem trilha sonora, conte mais sobre o processo de produção.
“Enquanto eu não te encontro” é um livro que venho trabalhando desde 2016, meu segundo ano em Natal. Essa história já teve seus vários momentos e decidi dividi-la com o mundo em março de 2020. Desde que descobri minha voz soube que queria unir literatura e música, e foi assim que me inspirei para compor a canção que é a trilha sonora do livro (era algo que eu sentia falta na literatura, esse campo mais “transmídia”).
Escrevi a música após um coração partido no final de 2018. Morava em Lisboa. Gravei assim que voltei para o Brasil, em setembro de 2019. Hoje os dois produtos voam no seu próprio tempo e com as próprias asas, apesar de caminharem lado a lado e potencializarem essa mensagem que eu queria trazer: de acreditar no amor e não perder a esperança…
Existe alguma influência na sua literatura?
Muitaaa! É difícil não ser influenciado. Eu me decido ao máximo para criar uma voz própria, original, mas carregamos nossas influências de qualquer modo. David Levithan, um romancista de literatura jovem com protagonismo LGBTQIA+, é um nome que me impactou muito. Também cito John Boyne e Taylor Jenkins Reid como outras duas grandes inspirações. Meu balaio referencial é grande e misturado. Como leitor ávido, trago muito comigo.
Seu livro fala de um romance de dois homens, você teve que ouvir alguma besteira pela escolha dos seus personagens?
Na verdade, não. Sou muito privilegiado pela bolha em que trabalho. Além disso, a literatura jovem com protagonismo LGBTQIA+ tem um apoio gigantesco dos leitores. Há uma grande comunidade decidida a apoiar esse tipo de publicação; milhares de jovens brasileiros que são tocados pela representatividade LGBTQIA+ e outros recortes minoritários, e que demandam ler sobre isso. É algo que não aconteceria antes, lá no início da década passada, mas que hoje é muito forte e sintomático.
Editoras têm investido cada vez mais nessas obras e eu mesmo sou um exemplo, já que meu livro vai sair pela Editora Seguinte, um selo da Companhia das Letras, em 2021.
Alguém já compartilhou histórias para ti ao ler o livro?
Meus leitores compartilharam experiências parecidas a dos personagens de “Enquanto eu não te encontro”, mas os relatos mais bonitos foram de nordestinos. Muitos nunca haviam lido uma obra LGBTQIA+ e jovem que retratasse uma fração do Nordeste que é Natal, com sotaque, lugares, referências e expressões reconhecíveis. Esse se enxergar tocou bastante alguns deles. E isso é exatamente o que me levou a escrever esse livro: evidenciar nossas histórias, dizer que importam e são possíveis. Me deixa muito feliz saber que meus leitores puderam se conectar com isso e se enxergar na literatura.
Em um país onde os nossos governantes são extremamente homofóbicos, como você lida para mostrar a sua identidade?
Eu lido com isso mostrando minha identidade. Tive o privilégio de nascer em uma família que me deu liberdade o suficiente para que eu pudesse me expressar como sou, política e identitariamente. Ter esse apoio me permitiu ser quem eu sou e experimentar o meu ser, de uma maneira que o mundo exterior – esse Brasil de contradições, com seus políticos conservadores e fascistas – não me dita.
Não temo me expor, no entanto, como LGBTQIA+. É com minha comunidade que me ergo para a luta; cantar e escrever sobre as nuances de ser LGBTQIA+ é o que me dá combustível para seguir produzindo. Os homofóbicos que se explodam.
E sua quarentena? Como está o seu processo criativo ?
A quarentena tem sido… intensa. Assim que percebi a evolução do quadro, em março, saí de Natal e vim ficar com meus pais em Apodi. A verdade é que eu não passava tanto tempo com minha família desde que saí de casa, aos 17 anos e a quarentena tem me proporcionado estar com eles. Muita coisa aconteceu desde então: lancei o livro e a música que o acompanha; o livro ganhou o concurso da Editora Seguinte e eu recebi um contrato da editora. Meu mais novo single, “Máquina do Tempo”, foi lançado… Eu criei bastante em casa. O que me manteve – e mantém – são foi justamente colocar minha mente nesse estado de fluir constante e ouvir o que minha intuição queria comunicar. Muitas músicas e ideias de histórias vieram desse espaço de escuta.
Por isso, pude adiantar bastante do meu álbum, gravar uns audiovisuais na varanda (haha) e planejar outras das diversas ideias que estão por vi. Resumo minha quarentena nisso: tirar ouro do caos.
E agora, quais são seus próximos passos para escritor?
Neste exato momento, após ter recebido a proposta de publicação do livro de modo tradicional, por uma das maiores editoras do Brasil, eu estou trabalhando na reescrita de “Enquanto eu não te encontro”. Pude retornar ao projeto com uma visão completamente rejuvenescida e moldá-lo para que atinja seu potencial máximo. Também conto com o apoio de uma agente e juntos já estamos pensando em ideias para o que vem em seguida.
É uma fase muito linda da minha vida, onde minha carreira está caminhando e eu estou sendo capaz de conquistar os meus sonhos! Sou bastante grato ao Universo, aos leitores, familiares e ouvintes, além do Brechando pela oportunidade de poder falar mais sobre mim nessa entrevista! Vida longa à arte potiguar e ao jornalismo independente!
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