Este ano a Lei Áurea completará 130 anos que foi promulgada pela Princesa Isabel, no qual em filmes e alguns livros de história a tratam como a heroína por libertar os negros das garras dos malvados fazendeiros. Porém, o Império Brasileiro passava por uma terrível crise de imagem. O que deveria ser um alívio para a população, onde deveria ter a mesma oportunidades daqueles que tiveram mais sorte apenas por ter uma pele branca (obrigada Portugueses ?), virou um pesadelo e estamos todos presos até hoje. Embora, alguns considerem isto uma frescura ou papo de vitimismo. Chegam até chamar os militantes de vagabundos.
Por que não é vitimismo? Estou sendo preconceituosa por associar negros com pessoas pobres? Não vamos ser hipócritas, a maioria da população periférica no Brasil é preta e parda, como diz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. A história está bem clara, principalmente com o surgimento da favela.
De acordo com dados oficiais do IBGE, coletados durante o Censo de 2010, cerca de 11,4 milhões de pessoas (6% da população) viviam em aglomerados subnormais. O mesmo instituto identificou 6.329 favelas em todo o país, localizadas em 323 dos 5.565 municípios brasileiros.
Como falei anteriormente, assim que os escravos foram libertos, os mesmos não tiveram alguma oportunidade de realizar outros trabalhos além dos domésticos, sem contar que muitos fazendeiros os trocaram por imigrantes europeus devido à “mão de obra barata”. Assim, os negros começaram a instalar em cortiços e depois em morros. No Rio de Janeiro, por exemplo, as primeiras favelas surgiram logo após a Guerra de Canudos, no início do século passado, já em São Paulo, as primeiras favelas surgiram na década de 50.
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Primeiramente, tudo começa quando a Inglaterra pressiona o Brasil para que dê fim à escravidão, visto que a mão de obra brasileira assalariada significaria maior exportação de produtos ingleses para o Brasil, o que trás lucro à Inglaterra. Contudo, o fim da escravidão coincide com uma onda imigratória de principalmente italianos e japoneses para São Paulo e portugueses para o Rio, sem contar também que começavam a aparecer os primeiros indícios de indústria. Logo, os latifundiários, aproveitaram a mão de obra estrangeira especializada na lavoura, e ao invés de empregarem os ex-escravos, agora libertos, empregaram os italianos e os japoneses.
Este fenômeno contribuiu ainda mais para a marginalização do negro na sociedade, e com o desenvolvimento da indústria no Brasil, São Paulo e Rio tiveram um grande crescimento demográfico acelerado, devido ao êxodo rural. Ao chegarem nessas capitais, os ex-escravos se depararam com as fábricas, e como nunca haviam tido a experiências que os italianos e japoneses tiveram anteriormente em seus países já industrializados, foram substituídos nas fábricas também. Ou seja, o negro não teve lugar tanto no campo quanto na cidade, e então foi no morro onde se instalou.
Portal Voz da Comunidade
A estrutura da favela que conhecemos hoje apareceu na década de 70, no auge da Ditadura Militar, enquanto Don e Ravel cantavam “Eu te amo, meu Brasil”, os Militares insistiam em salvar o Brasil do Comunismo e exaltavam o Milagre Econômico, onde instalavam obras faraônicas e investia pesadamente em indústrias nacionais, estimulando o êxodo rural para população periférica. Ainda bem que mudou, né?
É nessa década que Marielle Francisco da Silva nasceu no Rio de Janeiro, na Favela da Maré, tão citada na famosa música “Alagados”, do Paralamas do Sucesso. Assim como muitas mulheres da periferia, a sua vida não foi nada fácil e precisou matar um leão por dia.
Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do malAlagados – Paralamas do Sucesso
Marielle Franco, como é conhecida, foi mãe aos 19 anos e teve de abandonar os estudos para criar a filha. Não tinha dinheiro para pagar um cursinho com o objetivo de estudar mais e entrar na Universidade Federal. Mesmo assim, mãe solteira, conseguiu uma bolsa na Pontíficia Universidade Católica (PUC), onde dividiu suas cadeiras com os playboys da zona Sul carioca. Mais uma mãe que tinha filho e tentava entrar numa faculdade, algo que já vimos nesse mês.
Foi ali que estimulou que outras pessoas como ela a ter acesso à faculdade e a militância começou a dar os primeiros passos. Dentro da PUC fez campanha para o então professor de história e atual deputado estadual Marcelo Freixo, de quem foi assessora parlamentar antes de se lançar em candidatura própria. Formou-se em Ciências Sociais e, posteriormente, tornou-se mestre em Administração Pública.
Quando eu chego na PUC em 2002, a minha perspectiva era a da mulher favelada, do pertencimento de quem passou pela Maré, desse lugar do ‘mareense’, do favelado, de uma potência, de uma disputa daquele corpo que vou ocupar. Sim, porque eu sou a favelada e aquele lugar do ensino de qualidade também era meu. Mas eu não tinha autoidentificação nem o lugar da mulher negra favelada. Essa é uma construção que vai se formando
Então, ela tomou os seus primeiros passos na política. Em 2016, assumiu o seu primeiro mandato como vereadora. Foi a quinta mais votada.
Assim como Freixo, lutara por mais integração aos Direitos Humanos e o fim da luta de classes. Porém, abocanhou lutas muito mais complexas e difíceis, principalmente para a década de 2010, no qual vimos políticos abrindo a boca pedindo a volta dos Militares igual à 64 e utilizar o Cristianismo para justificar a LGBTfobia.
Dentro da Câmara dos Vereadores defendia que a revolução ou seria “feminista, classista e com o debate da negritude”, ou simplesmente não existiria. Ainda defendia as causas LGBT, uma vez que estava inserida no grupo. Sempre encarou de frente homens poderosos, no qual muitos se tornaram parlamentares por apoiarem políticos de caráter duvidoso. Ela não tinha medo, mulheres faveladas cresceram com cabeça erguida mesmo com a falta de oportunidade.
“O lugar de mulher, mulher negra, bissexual, agora estou casada com uma mulher, mas tenho uma filha. Dessas muitas representações a gente vai aprendendo, conhecendo e estudando mais.”
Disse Marielle em seu último debate na Casa das Pretas
Embora lutasse para que menos mulheres fossem vítimas da violência urbana, a jovem vereadora na noite desta quarta-feira (14) entrou nas estatísticas que tanto ela batia na tecla. O Mapa da Violência 2015 mostra que o número de homicídios de brancas caiu, já o assassinato de negras aumentou: Em 2003, morreram assassinadas 23% mais negras do que brancas.
O índice foi crescendo lentamente ao longo dos anos, para, em 2013, chegar a 67%.
No Brasil, as mulheres negras com idade entre 15 e 29 anos têm 2,19 vezes mais chances de serem assassinadas no do que as brancas na mesma faixa etária, de acordo com o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017 (IVJ 2017), segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
O levantamento conclui que os índices “evidenciam a brutal desigualdade que atinge negros e negras até na hora da morte. […] Essa desigualdade se manifesta ao longo de toda a vida e em diversos indicadores socioeconômicos, em uma combinação perversa de vulnerabilidade social e racismo que os acompanha durante toda a vida. Não à toa, negros e negras ainda sofrem com enormes disparidades salariais no mercado de trabalho: dados recentes divulgados pelo IBGE mostram que negros ganham 59% dos rendimentos de brancos (2016)”, diz o documento.
Foi executada com três tiros na cabeça, no dia 14 de março de 2018, quando também foi assassinado com 4 tiros Anderson Pedro Mathias Gomes, de 39 anos, motorista do veículo em que a vereadora se encontrava. De acordo com a Human Rights Watch, o assassinato de Franco relacionou-se à “impunidade existente no Rio de Janeiro” e ao “sistema de segurança falido” no estado.
Marielle criticava ferozmente a intervenção federal no Rio de Janeiro e da Polícia Militar, denunciava constantemente policiais por abusos de autoridade contra os moradores. Recentemente, ela havia denunciado atrocidades feitas na Favela do Acari, uma das mais antigas do país.
Ela mostrava que muitos militares ainda tinham pensamentos do Governo Militar, no qual investigavam crimes através de torturas e diversas ações truculentas. Se pesquisarmos na internet páginas a favor das polícias, vimos muitos discursos anti-comunistas, críticos aos grupos de Direitos Humanos e diversas vezes proliferam frases, como “matar antes de perguntar” e “bandido bom é bandido morto”, sem contar as fotografias de pessoas mortas.
Isto mostra que como inclusão social e uma Segurança Pública com atendimento mais humanizado precisa ser discutido, ainda temos aquele pensamento de que estamos em uma eterna Guerra Fria, onde o mundo ainda é dividido entre Comunistas e Capitalistas; 1º, 2º e 3º mundo; e dentre outras dicotomias. Como acabar com o tráfico sem matar inocentes? Vale a pena imitar todo tipo de programa dos Estados Unidos? Tudo isso precisa ser discutido.
Inicialmente, queriam tratar o crime contra a vereadora como uma possível tentativa de assalto, mas sabemos que não foi assim. Seu assassinato motivou a organização de protestos em pelo menos dez capitais brasileiras, inclusive na capital potiguar.
O nosso choro pela a morte de Marielle Franco é o mesmo que mães e pais de famílias em comunidades periféricas no Brasil, no qual diariamente não sabem se vão conseguir gerar descendentes para o futuro no Brasil, ser vítima de bala perdida ou serem mortos a partir de ações truculentas de militares por serem negros. Marielle ensinou que esta luta pelos direitos iguais tem que começar da periferia ao centro e não o contrário.
Marielle, presente!
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