Fotos: Lara Paiva
desigualdade social …
Um morava na Rua do Meio.
O outro no meio da rua.Jessier Quirino
Qual foi a sua boa ação? Já sacrificou um domingo para ajudar ao próximo? Você já conversou com alguém que mora nas ruas? O grupo Sopa de Amor junto com a página Natal Invisível realizaram uma campanha no mês de junho chamado “Abrace um Invisível”, no qual uma parte das doações foram entregues neste domingo (17). A intenção da campanha surgiu após a repercussão da imprensa sobre a morte dos moradores de ruas em São Paulo por causa do frio.
A cada 15 dias, os integrantes do projeto entregam alimentos para os moradores de rua.
De acordo com Raquel, uma das integrantes do Sopa de Amor, o grupo existe há dois anos e sete meses e já tem os dias específicos quando farão a ação. “A organização do grupo e os nossos trabalhos fizeram com que a gente lembrasse de cada momento”, comentou a jovem, que conta com a ajuda do marido e de outros voluntários.
A preparação para as atividades começa nos dias anteriores, onde eles organizam as doações que foram entregues em alguns pontos de coleta, separam as roupas por tamanho e gênero e fazem uma sopa num fogão industrial que fica na garagem de Raquel. “Ainda têm coisas que estão no meu sofá”, afirmou a integrante do Sopa de Amor, que garantiu que nada é desperdiçado e não ganham dinheiro com o projeto.
Uma equipe de mais de 10 pessoas rodaram de Parnamirim até a Avenida Prudente de Morais durante a noite de domingo. O Brechando, junto com a Natal Invisível, acompanhou a entrega das doações de mais de 130 sopas de legumes na via e também na Avenida Capitão-Mor Gouveia, no bairro de Cidade da Esperança. O roteiro era milimetricamente programado, mas eles podiam parar se visse alguém no meio do trajeto.
Enquanto muitos vão às missas, cultos ou estão assistindo televisão nos apartamentos de classe média alta de Tirol e Petrópolis, eles fazem praticamente uma operação policial para que todos que estejam na rua fiquem vestidos, recebam os lençóis para se protegeram da hipotermia, tenham remédios, obtenham um tratamento paliativo (tem membro do grupo que é médico) ou trocar um bate-papo de três a cinco minutos, mesmo que em algumas calçadas sejam mal iluminadas (precisa observar bastante para perceber que tem gente na calçada, mostrando que a situação de rua é mais invisível que se parece) ou apresentam um forte cheiro de urina.
“Apesar do pouco tempo, eles ficam felizes em ter alguém para conversar”, disse Raquel, que relembrou em uma das doações que aconteceu em um período chuvoso e ouviu um pedinte cantar um hino evangélico. “Até hoje lembro das palavras que ele disse. Dizia que tinha tudo e o que resta agora é só Deus. Agora, nada mais lhe pertence. Então, pareceu que estava conformado em ficar naquela situação”, lamentou.
Nesses dois anos e sete meses, bastante frisados pela integrante, eles já passaram por diversas situações adversas, como serem xingados por alguns moradores e receberem ameaças de morte ou roubar os pertences. “Algumas regiões, a gente, nem pisa mais, pois alguns locais ficam ex-presidiários e um deles nos ameaçaram de violentar sexualmente”, relatou.
Por isso, quando eles fazem as entregas dos alimentos, eles vão acompanhados por um monte de gente, nada de ficar sozinho.
Apesar das adversidades, a recepção dos moradores é bastante positiva e os veem como grande amigos. Alguns já sabem até o nome e como eles foram parar nas calçadas natalenses. Os integrantes do grupo comentam que a maioria dos moradores de rua são homens, viciados em alguma substância como bebida ou drogas pesadas ou saíram de suas cidades de origem para arranjar um emprego na capital.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), essa população é composta predominantemente por homens (82%), negros (67%) e que exercem alguma atividade remunerada (70%). Entre os principais motivos que os levaram à situação de rua estão o alcoolismo/drogas (35,5%), o desemprego (29,8%) e os conflitos familiares (29,1%).
Um grupo relativamente menor (22,1%) costuma dormir em albergues ou outras instituições. Apenas 8,3% costumam alternar, ora dormindo na rua, ora dormindo em albergues.
“Algumas pessoas que trabalham nas construções ficam dormindo na rua por não ter aonde morar”, apontou a Raquel. Porém, tem gente que trabalha como carroceiro, visto que enquanto fazíamos a matéria vimos diversas quantidades de carroças.
Apesar da pouca quantidade de mulheres, elas foram localizadas enquanto faziam as doações, muitas delas acompanhadas ou estão ficam grávidas, por causa do ciclo menstrual irregular devido à falta de acompanhamento médico. Muitas delas abandonam os seus bebês ou nem menos sabem que estão grávidas.
“A gente sempre entrega absorventes, material de higiene ou preservativos para que evitem ter filhos”, disse.
Após entregar absorventes e materiais de higiene para essas mulheres, eles encontraram um velho conhecido, o Nerivaldo, que dorme em uma das calçadas da Avenida de Prudente de Morais, próximo de uma loja especializadas em artigos de bebê. Está na rua há 40 anos por conta do alcoolismo, mas apesar de não ter uma casa, ele não desgruda do rádio para ouvir o jogo do América de Natal, time que ele torce ferozmente, e conhece todo mundo.
Um de seus amigos é o vigia da loja, que sempre lhe ajuda quando fica bêbado ou passa por algum problema. Durante a entrega das comidas, nós acompanhamos o diálogo entre ele, o vigilante e a trupe que foi fazer a doação:
DIÁLOGO com Nerivaldo“Boa noite”“Oi, senhor Nerivaldo, como está? Quer a sopa?”Nesse momento, ele se levanta e rapidamente se senta para receber o café e a sopa. “Cuidado, para não derrubar o caf锓Estou precisando bastante do caf锓Está de ressaca, é?”Nesse momento, o Nerivaldo dar uma breve gaitada e o vigilante da loja rapidamente disse que ele estava bem neste domingo e que não havia bebido. “teve um dia que ele ficou bastante agressivo quando ficou bêbado”Estava fotografando, quando ele percebeu e rapidamente fez uma pose. Então, uma das meninas pediu para que aparece nas fotos. Então, ele rapidamente ficou em pé e deu um abraço em uma das meninas. Aí ele pediu que tirasse uma foto com as integrantes do Sopa de Amor e com o rádio ligado. A foto ficou assim: |
Após a conversa com Nerivaldo, eram 20h30, quase duas horas acompanhando o “Sopa de Amor”, a fazer a sua missão quinzenal. A gente se despediu e eles agradeceram por ter registrado este momento. Então, lhe deixamos a dar a continuidade na missão de localizar os “invisíveis”.
“Qual é a raiz quarta de 10 mil?”
Durante uma das entregas, este senhor da foto veio em nossa direção, após receber seu lençol e prato de sopa. Então soltou este seguinte diálogo:
“Você sabe o que significa a palavra Tam?”
Respondi que não sabia. Rapidamente, ele respondeu: “Táxi Aéreo de Marília. Sabia que a roupa que não é permitido entrar no avião? Nem a aeromoça pode. É o tomara que caia”.
Respondo: “Nossa que interessante, isso eu não sabia”.
“Infelizmente, eu estudei e sou formado, mas as drogas me levaram a situação”, lamentou.
Esse não é um caso isolado. Os dados do MDS apontam que 74% dos habitantes de rua sabem ler e escrever. 17,1% não sabem escrever e 8,3% apenas assinam o próprio nome. A imensa maioria não estuda atualmente (95%). Apenas 3,8% dos entrevistados afirmaram estar fazendo algum curso (ensino formal 2,1% e profissionalizante 1,7%).
Além disso, ele soltou essa charada: “Sabe qual é a raiz quarta de 10 mil? Não é a raiz quadrada?”
Após o silêncio, ele respondeu: “10, por que 10x10x10x10 é 10 mil!”.
Depois, ele repetiu a frase: “Sou inteligente, mas as drogas me levaram a essa situação”.
Assim que saímos, uma das moças que entregou a sopa disse: “Espero que você saia do mundo das drogas e volte a estudar”.
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