Estudei numa escola na qual eu ouvi opiniões de diversos professores. Tive professor preconceituoso e machista, aquela de gênio forte, aquele ateu convicto, o evangélico feveroso, o tucano que amava Fernando Henrique Cardoso, a petista desde a juventude e a anarquista ferrenha. Ainda tive aqueles que estavam preocupados em não só ensinar, mas também se preocupara em saber do bem-estar do aluno, ou outros que comentaram diversas correntes filosóficas e admitiram quais as que eles concordavam. Nenhum deles obrigaram os alunos a serem iguais aos que estão pensando.
Não virei a ateia, por exemplo, quando um professor disse que a Terra surgiu através de um big bang.
Por que estou falando isso? Existe um projeto de lei do senado que se chama “Escola Sem Partido”. O que é isso? É um de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional. Vale lembrar que Malta é pastor. Caso a matéria seja aprovada fica proibido também o ensino sobre questões de gênero, por exemplo.
O projeto pode ter sido elaborado esse ano, mas a ideia defendida é bastante antiga, criada por um grupo no ano de 2004. Alguns apoiadores apontam que os docentes estão obrigando os alunos a seguir uma determinada doutrinação política, ideológica e religiosa.
O movimento deseja que seja afixado na parede das salas de aula de todas as escolas do país um cartaz, onde estarão escritos os deveres do professor.
Esses deveres são:
1 – O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
2 – O Professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
3 – O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4 – Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
5 – O Professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6 – O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
Algumas destas regrinhas que estão impostas, todavia, nesse cartaz é o contrário a ideia de “ensinar a pensar”, proposta pelas escolas mais modernas. Sem contar que apresenta algumas contradições. Por exemplo, uma parte do texto defende que o professor tenha o dever de respeitar a educação dos progenitores, contudo a proposta quer impor uma específica forma de ensinamento.
O professor de língua portuguesa, Felipo Bellini, também apontou que essa lei aponta algumas contradições.
“Diz que o pai deve respeitar o ensino religioso da escola, se ela for particular, porém na mesma lei diz que o aluno tem que aprender a religião que acredita. Como faz isso numa escola pública? Se meu aluno for evangélico entra na sala de aula e eu não vou seguir o programa da disciplina? A mesma aponta que o pai tem o direito de interferir na educação do filho, sendo que uma sala é feito por um coletivo de gente com diferentes pensamentos e uma matéria é feita por ementas elaboradas por especialistas. O ensino religioso é uma sugestão do Ministério da Educação, mas a proposta não é ensinar religiosidade e sim os princípios culturais de diferentes religiões. Tem que falar de todas as religiões de forma breve e sucinta. Embora tenha a maior participação de Cristãos na população brasileira, o Estado é laico”, afirmou.
Algumas pessoas contra a “Escola Sem Partido” opinam que o projeto defende uma escola sem espaço para discussão da cidadania, garantia estabelecida na Lei de Diretrizes de Bases da Educação (9.394/96).
“A ideologia está dentro de tudo o que você faz. A escola é formada por várias pessoas e o que vai manter a neutralidade da escola é obter um professor que entra em sala de aula com uma opinião própria. Claro que o professor não deve forçar que os alunos tenham o mesmo pensamento que o dele, mas os estudantes vão perguntar sobre os questionamentos do próprio e ele pode responder. Interferir se pode ou não pode responder sobre a opinião do docente é muito complexo”, argumentou Felipo.
Essa ideia já está sendo repercutida em alguns estados brasileiros. Em 26 de abril deste ano, os deputados da Assembleia Legislativa de Alagoas derrubaram o veto do governador Renan Filho (PMDB) ao Projeto Escola Livre e, com isso, o estado se tornou o primeiro no Brasil a ter uma lei (7.800/2016) que exige neutralidade do professor. Seguindo o mesmo caminho, pelo menos 19 estados brasileiros têm projetos de lei semelhantes.
Uma consulta pública lançada pelo Senado mobilizou muitos internautas. O projeto vem sendo considerado, pelos docentes que se manifestaram contra, uma espécie de nova lei da mordaça. O texto fala em neutralidade e diz que o professor não pode se aproveitar da audiência dos alunos para promover seus interesses, opiniões ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
Pelo projeto, fica estabelecido o “reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado”. O senador lista ainda o direito dos pais a que seus filhos recebam “educação religiosa e moral que estejam de acordo com as suas próprias convicções”.
Algum leitor pode comentar: “Mas, existe professor que inventa de dar incentivo para quem participar de protesto”. Quem faz isso é errado e isto é o contrário da Lei de Diretrizes de Bases da Educação. Para quem não sabe, esta lei citada acima propõe:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extra-escolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII – consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
Alguns assuntos como bullying, educação sexual ou ensinar elementos da cultura típica brasileira não poderão ser discutidos, caso a lei seja aprovada. “As pessoas precisam entender a diferença entre o conteúdo e o que é ideologia. Independente se você acredita em Karl Marx, o mesmo precisa ser ensinado, pois ele teve uma participação na história, geografia e sociologia”, comentou o docente.
Quando falamos a palavra doutrinação, esta remete a pregação. Mas o problema é tão grave assim? Embora o Escola Sem Partido contar que recebe muitas denúncias, o site do movimento registra poucos casos. É preciso ter dados mais sólidos para separar casos isolados de tendências e, também, para ter uma visão mais clara sobre o assunto.
Vejam essa matéria do Nova Escola, que está bastante esclarecedora sobre o assunto.
“A lei está mal escrita, preconceituosa e mesmo as boas intenções e afirmativas coerentes não cabem quando aliadas a desinformação e absurdos do conjunto”, finalizou o professor.
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