Mês: março 2017

  • Dia da Poesia Seis poemas de potiguares da antiga e nova geração

    Dia da Poesia Seis poemas de potiguares da antiga e nova geração

    Hoje é 14 de março, dia nacional da poesia. Neste período, está rolando várias atividades em Natal para comemorar este importante gênero literário. A data é celebrada, pois foi o dia que nasceu o grande poeta brasileiro Castro Alves. Poeta romântico, Castro Alves morreu de tuberculose na capital baiana Salvador em 06 de julho de 1871, com apenas 24 anos. Foi ele quem escreveu obras clássicas como “Navio negreiro” e “Espumas flutuantes”.

    Mas não é dia 31 de outubro? Existe uma lei 13.131/2015, que criou oficialmente o Dia Nacional da Poesia. Esse Projeto de Lei, sugerido pelo senador Álvaro Dias, teve proposta aceita para que o Dia Nacional da Poesia fosse comemorado no dia 31 de Outubro, nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade. Mas, algumas entidades ainda celebram o dia 14 de março.

    Para comemorar, nós selecionamos seis poetas potiguares. Três clássicos da literatura potiguar e o restante representa a nova geração de poema. Apreciem este momento.

    Antiga geração: 

    Auta de Souza

    CAMINHO DO SERTÃO

    A meu irmão João Cancio

    Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
    Vê-la através da mata. Nos caminhos
    A sombra desce; e, sem achar descanso,
    Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

    É noite já. Como em feliz remanso,
    Dormem as aves nos pequenos ninhos…
    Vamos mais devagar… de manso e manso,
    Para não assustar os passarinhos.

    Brilham estrelas. Todo o céu parece
    Rezar de joelhos a chorosa prece
    Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

    Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
    Turíbulo imenso para Deus eleva
    O incenso agreste da jurema em flor.

    Zila Mamede

    CANÇÃO DA ROSA DE PEDRA

    Essa, a rosa da promessa
    da noite do nosso amor,
    murcha rosa indiferente,
    sem alma, escassa de olor?

    Por que essa rosa de pedra,
    o meu presente nupcial?
    – Pantanosa flor de lama
    gerada em brisas de sal.

    O riso da minha infância,
    gritam-no abismos de sangue
    onde boia impura, incauta,
    flor de pedra, flor de mangue.

    A vã promessa incumprida
    na noite do nosso amor
    repousa em praias de sombra
    navega em mares de dor.

    Ferreira Itajubá

    Recordação
    Vi-te. Era noite, a lua descorada
    Brilhava nas paragens luminosas
    E a noite estava toda embalsamada,
    Por que exalavam no canteiro as rosas.
    Das esferas azuis, de etéreas pagas.
    A luz descia cristalina, em jorros:
    Ao longe as águas sem rumos das vagas
    E a solidão tristíssima dos morros!

    Quando te vi, quando me viste, amamos…
    Branca, não sei se recordas… quando
    Era a terra um rosal e, pelos ramos,
    O mês do incenso ia desabrochando…
    Amamo-nos e vivemos docemente
    Sobre aterra cheirosa, erma de escolhos,
    E eu me banhava apaixonadamente
    No santíssimo orvalho de teus olhos

    Que febre imensa a do primeiro beijo!
    Mornos, teus seios virgens palpitavam…
    Ah, quantas vezes, cheios de desejo
    Os meus lábios nos teus castanholavam!
    Então, se eu te falava em noivado,
    Tu me dizias:”meu amor espera,
    Deixa que alveje a lua se pecado,
    Até que volte o sol da primavera”

    Desse tempo risonho do passado
    Cheio de tantos sonhos, de ilusões,
    Eu tenho o peito agora incendiado
    No fogo vivo das recordações…
    De ti me lembro. e quando, nestas plagas,
    A luz desaba cristalina, em jorros,
    Eu vejo ao longe, sem rumos, as vagas
    E a solidão tristíssima dos morros.

    Nova geração:

    Murilo Zatú

    sophia

    sem chance
    sem mais
    sem chão

    sem sundae
    nem sushi
    nem hot dogs

    sem jung
    nem nietzsche
    sem a forma das formas
    sem o cálculo do vazio
    sem a angustia da incerteza
    sem a pujança da loucura

    sem mais delongas
    sem conversa fiada
    sem a língua minguante
    nem a noite
    nem a ausência

    sem o gatilho
    nem a adaga afiada
    sem o corpo
    chocho
    na maresia álgida

    sem flores
    sem cactos
    sem manjericões
    sem pêras
    tangerinas
    ou melões
    cebolas
    ou tomates
    ou salsa, uma valsa
    um bolero

    a meia noite é para os ermos
    como o crepúsculo é para os cépticos

    Gonzaga Neto

    morangos frescos se perdem entre os dentes

    no breu do quarto
    sinto cheiro de móveis amadeirados
    quando as batatas da tua perna tentem me sufocar

    mãos que hesitam
    coxas que excitam

    dedo
    médio
    boca
    adentro

    você mastiga meus olhos
    e escarra um sonoro ‘eu te amo’
    antes de despir seu tronco do meu

    – eu também

    Regina Azevedo

    Tomar catuaba com você
    Tomar catuaba com você
    é ainda mais tesudo
    que ir a Hellcife, Natal, Fortaleza
    ou ficar sequelado de 51 na Lapa

    em parte por dançar forró com um mendigo suado
    em parte por você ser o boy com o quadril mais eficiente do mundo
    em parte por causa do meu amor por você
    em parte por causa do seu amor por maconha
    em parte por causa dos ipês albinos na estrada de Brasília

    é difícil de acreditar quando estou com você
    na existência de algo tão inerte
    tão inodoro e ao mesmo tempo tão putrefato
    quanto o atual Presidente da República

    Nós andamos entre as fantasias da nossa canção
    e de repente você se pergunta por que caralhos
    alguém construiria um edifício atrapalhando o carnaval
    Eu imagino o desmoronamento de um arranha-céu
    e eu prefiro assistir ao acontecimento
    de um desastre natural refletido nos seus olhos
    Eu prefiro ver o seu sorriso diante de um maremoto
    diante da falência da agroindústria ou das imobiliárias
    a ver qualquer quadro pós-impressionista
    exceto talvez Lautrec porque quando eu danço com você
    eu não preciso fechar os olhos pra dançar com a melhor pessoa do mundo

    Tomar catuaba com você
    é ainda mais tesudo
    que te assistir tragando um míssil
    que ouvir você falando da potência das flores
    que reposicionar a cama no lugar
    que tropeçar e te encontrar
    repetindo a palavra calma
    enquanto o vento nos dá um sacode
    e você diz que sente
    a primavera fazendo cócegas
    em nossas barrigas