Dia da Poesia Seis poemas de potiguares da antiga e nova geração

Dia da Poesia Seis poemas de potiguares da antiga e nova geração

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Hoje é 14 de março, dia nacional da poesia. Neste período, está rolando várias atividades em Natal para comemorar este importante gênero literário. A data é celebrada, pois foi o dia que nasceu o grande poeta brasileiro Castro Alves. Poeta romântico, Castro Alves morreu de tuberculose na capital baiana Salvador em 06 de julho de 1871, com apenas 24 anos. Foi ele quem escreveu obras clássicas como “Navio negreiro” e “Espumas flutuantes”.

Mas não é dia 31 de outubro? Existe uma lei 13.131/2015, que criou oficialmente o Dia Nacional da Poesia. Esse Projeto de Lei, sugerido pelo senador Álvaro Dias, teve proposta aceita para que o Dia Nacional da Poesia fosse comemorado no dia 31 de Outubro, nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade. Mas, algumas entidades ainda celebram o dia 14 de março.

Para comemorar, nós selecionamos seis poetas potiguares. Três clássicos da literatura potiguar e o restante representa a nova geração de poema. Apreciem este momento.

Antiga geração: 

Auta de Souza

CAMINHO DO SERTÃO

A meu irmão João Cancio

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

Zila Mamede

CANÇÃO DA ROSA DE PEDRA

Essa, a rosa da promessa
da noite do nosso amor,
murcha rosa indiferente,
sem alma, escassa de olor?

Por que essa rosa de pedra,
o meu presente nupcial?
– Pantanosa flor de lama
gerada em brisas de sal.

O riso da minha infância,
gritam-no abismos de sangue
onde boia impura, incauta,
flor de pedra, flor de mangue.

A vã promessa incumprida
na noite do nosso amor
repousa em praias de sombra
navega em mares de dor.

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Ferreira Itajubá

Recordação
Vi-te. Era noite, a lua descorada
Brilhava nas paragens luminosas
E a noite estava toda embalsamada,
Por que exalavam no canteiro as rosas.
Das esferas azuis, de etéreas pagas.
A luz descia cristalina, em jorros:
Ao longe as águas sem rumos das vagas
E a solidão tristíssima dos morros!

Quando te vi, quando me viste, amamos…
Branca, não sei se recordas… quando
Era a terra um rosal e, pelos ramos,
O mês do incenso ia desabrochando…
Amamo-nos e vivemos docemente
Sobre aterra cheirosa, erma de escolhos,
E eu me banhava apaixonadamente
No santíssimo orvalho de teus olhos

Que febre imensa a do primeiro beijo!
Mornos, teus seios virgens palpitavam…
Ah, quantas vezes, cheios de desejo
Os meus lábios nos teus castanholavam!
Então, se eu te falava em noivado,
Tu me dizias:”meu amor espera,
Deixa que alveje a lua se pecado,
Até que volte o sol da primavera”

Desse tempo risonho do passado
Cheio de tantos sonhos, de ilusões,
Eu tenho o peito agora incendiado
No fogo vivo das recordações…
De ti me lembro. e quando, nestas plagas,
A luz desaba cristalina, em jorros,
Eu vejo ao longe, sem rumos, as vagas
E a solidão tristíssima dos morros.

Nova geração:

Murilo Zatú

sophia

sem chance
sem mais
sem chão

sem sundae
nem sushi
nem hot dogs

sem jung
nem nietzsche
sem a forma das formas
sem o cálculo do vazio
sem a angustia da incerteza
sem a pujança da loucura

sem mais delongas
sem conversa fiada
sem a língua minguante
nem a noite
nem a ausência

sem o gatilho
nem a adaga afiada
sem o corpo
chocho
na maresia álgida

sem flores
sem cactos
sem manjericões
sem pêras
tangerinas
ou melões
cebolas
ou tomates
ou salsa, uma valsa
um bolero

a meia noite é para os ermos
como o crepúsculo é para os cépticos

Gonzaga Neto

morangos frescos se perdem entre os dentes

no breu do quarto
sinto cheiro de móveis amadeirados
quando as batatas da tua perna tentem me sufocar

mãos que hesitam
coxas que excitam

dedo
médio
boca
adentro

você mastiga meus olhos
e escarra um sonoro ‘eu te amo’
antes de despir seu tronco do meu

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– eu também

Regina Azevedo

Tomar catuaba com você
Tomar catuaba com você
é ainda mais tesudo
que ir a Hellcife, Natal, Fortaleza
ou ficar sequelado de 51 na Lapa

em parte por dançar forró com um mendigo suado
em parte por você ser o boy com o quadril mais eficiente do mundo
em parte por causa do meu amor por você
em parte por causa do seu amor por maconha
em parte por causa dos ipês albinos na estrada de Brasília

é difícil de acreditar quando estou com você
na existência de algo tão inerte
tão inodoro e ao mesmo tempo tão putrefato
quanto o atual Presidente da República

Nós andamos entre as fantasias da nossa canção
e de repente você se pergunta por que caralhos
alguém construiria um edifício atrapalhando o carnaval
Eu imagino o desmoronamento de um arranha-céu
e eu prefiro assistir ao acontecimento
de um desastre natural refletido nos seus olhos
Eu prefiro ver o seu sorriso diante de um maremoto
diante da falência da agroindústria ou das imobiliárias
a ver qualquer quadro pós-impressionista
exceto talvez Lautrec porque quando eu danço com você
eu não preciso fechar os olhos pra dançar com a melhor pessoa do mundo

Tomar catuaba com você
é ainda mais tesudo
que te assistir tragando um míssil
que ouvir você falando da potência das flores
que reposicionar a cama no lugar
que tropeçar e te encontrar
repetindo a palavra calma
enquanto o vento nos dá um sacode
e você diz que sente
a primavera fazendo cócegas
em nossas barrigas

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Sobre lara

Jornalista e publicitária formada pela UFRN, começou despretensiosamente com um blog para treinar seu lado repórter e virou sua vitrine. Além disso, é mestranda em psicologia na UnP e ainda é doida o suficiente para começar mestrado em Estudo da Mídia na UFRN. Saiba mais sobre esta brechadora.

Desenho: @umsamurai.



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