Dia: 28 de março de 2019

  • Antônio Pinto de Medeiros: um amazonense com alma potiguar

    Antônio Pinto de Medeiros: um amazonense com alma potiguar

    Antônio Pinto de Medeiros nasceu em Manaus, capital do Amazonas, no dia 9 de novembro de 1929, porém foi criado nas terras mossoroenses. Seu pai, Francisco Calixto de Medeiros, foi uma das pessoas que colocou o bando de Lampião para correr. Foi nestas terras que Antônio estudou e chegou a prestar Serviço Militar durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, foi na capital do Rio Grande do Norte que começou a desenvolver diversas atividades culturais, dentre elas a poesia.

    Seus poemas são eclesiásticos, surrealistas, questionando com seus enigmas sobre o tempo, a aventura, a fé, a morte, temáticas que orbitam em um tom melancolicamente soturno.

    Ele ainda chegou a trabalhar como professor e depois como jornalista, onde inclusive chegou a trabalhar nas redações da imprensa carioca. Formando-se em Direito em 1950, pela Faculdade do Recife, nunca chegou a exercer a profissão de advogado, vocacionado que era para o magistério, jornalismo e a literatura. Um dos fatos curiosos é que Antônio Pinto de Medeiros sempre gostou de ser do underground, preferia ficar nos bastidores do que aparecer, tanto que foi o único membro da Academia Norte-Riograndense de Letras a renunciar à “imortalidade”.

    Nos jornais potiguares atuou no “Diário de Natal”, e “Santo Ofício”, em “O Poti”, aos domingos, onde comentava os acontecimentos da cidade, o futebol e onde fazia também crítica literária. Dono de um estilo irônico e mordaz, Pinto não hesitava em assinalar inconsistências e arrasar a maior parte da literatura então publicada no Estado, exercendo importante papel de crítico literário e chegando a ser conhecido como “o terror do intelectual medíocre”. Não obstante, valorizava e incentivava os novos em quem reconhecia talento, como Zila Mamede, que o considerava seu mestre.

    Antônio Pinto foi casado com dona Stela Medeiros e dessa união conjugal nasceram os seguintes filhos: Plínio (falecido); Maria da Saudade, residente no Rio de janeiro; Manfredo, funcionário do Banco do Brasil e Gilka, advogada em Natal, falecida.

    O seu primeiro livro “Pesia Atôa” foi lançado em 1949 e dois anos depois veio o “Rio do Vento”, ambos foram financiados pelo próprio bolso. Alguns de seus poemas podem ser vistos a seguir:

    SEM VOS CONTAR O FIM

    Meus olhos se fecharão como todos os olhos.

    Cruzem-me as mãos.

    Quero posar para a morte.

    Mas não vos direi “mais luz”

    Nem haverá êxtases, eu vos juro.

    A paisagem infiel, lenta, confusa,

    Será a cinza sem cor, sem cor.

    Apenas a cinza sem cor.

    Mas antes que venha o silêncio,

    Trazei-me o intérprete.

    Porque há o nada e o sempre.

    Mas trazei-me o intérprete

    Antes que venha o silêncio,

    E antes que eu vá, como irei,

    Sem vos contar o fim.

     

    CARTA AOS GENTIOS SOBRE O HOMEM CHAPLIN

    O que está saindo para a última ronda ao sol
    — Cartola, botas, bigode, bengala e alma —

    O que ao mundo e à luz trejeita, esgarra e ri,
    — os letreiros, os cartazes não dizem —

    não é, meu irmão chin, esquimó ou fueguino,
    O que dará o último passo sozinho.

     

    GOTAMA

    Rasga o Apocalipse e abre o Eclesiastes.

    Furta os olhos às formas

    E afoga os pesadelos de tuas noites ardentes

    À sombra da árvore do bem e do mal.

    Apaga teus mistérios

    E extirpa a cera incolor de teus cabelos candelabros.

    Não digas “e depois?”.

    Sê tu e não definas.

    Não te iludas com o sentido do coração

    Nem penses de que lado pulsa.

    Acautela-te de tua mão direita.

    Sê Sócrates antes que João Batista.

    Pisa os símbolos e ri.

    Imita o mocho e voa em curvas.

    Não terás o terror do suor frio.

    Fecha o livro:

    Não precisas entoar o salmo de todos os pecadores.

    Antonio Pinto faleceu em Natal no dia 9 de fevereiro de 1970, apesar de alguns registros apontarem que foi no Rio de Janeiro.