O que começa como uma distração em meio à solidão de um lockdown pode, sim, se transformar em um sonho realizado. Foi exatamente isso que aconteceu com Gustavo Henrique Alcântara de Medeiros, escritor potiguar que, durante a pandemia, decidiu colocar no papel uma história ambientada em Natal, nos anos 1940, período em que a cidade fervilhava com a presença dos militares americanos durante a Segunda Guerra Mundial.
Inicialmente, a ideia do “Welcome to Natown!”, que era simples: escrever algo para passar o tempo. “Eu pensei: vou escrever um livro que eu gostaria de ler. Assim, pelo menos, vou estar sendo fiel ao que eu gosto”, conta. No entanto, o que seria uma história curta, com cerca de 100 páginas, rapidamente ganhou corpo. “Os personagens começaram a ganhar vida, começaram a ter vontade própria. Eu me perguntava: ‘Se fulano estivesse nessa situação, o que ele faria? O que ele diria?’”, relembra.
Esse processo criativo se tornou também uma companhia para os dias de isolamento, quando a solidão do desemprego e o medo da pandemia batiam mais forte. “Eles fizeram companhia para mim. Eu pensava neles, no que eles fariam, no que eles pensariam, e isso me ajudava muito a atravessar aquele momento.”
Apreço aos personagens
A conexão com os personagens não ficou só do lado de quem escreveu. Leitores beta (teste) que tiveram acesso ao material antes da publicação fizeram questão de reforçar o quanto eles eram carismáticos e cativantes. “Um deles me disse: ‘Gustavo, seus personagens são encantadores. A gente torce por eles, quer saber o que vai acontecer’”, relembou.

A história narra a vida do Capitão Jonathan Anderson, resgatado, durante a infância, de um ambiente de maus tratos, tornou-se um dos pilotos mais admiráveis da US Navy, especializado na defesa da costa brasileira contra os ataques de submarinos alemães. Servindo em Parnamirim Field, ele descobre que o Capitão Davi Cohen, da Força Aérea Brasileira, no qual vão desenvolver a trama.
“”Em nenhum momento o material aponta ou critica alguém por ser militar e LGBT. Pelo contrário: apesar de ser LGBT, aquele personagem escolheu, por necessidade ou por vontade, a carreira militar. Então, até agora não recebi críticas vindas de militares, mas sei que isso pode acontecer. Só que, de forma nenhuma, isso desabona a carreira militar”, garantiu o escritor.
Ao ser questionado se alguém o criticou por trazer esta temática, Gustavo respondeu que não, apesar de reconhecer que a crítica pode vir a qualquer momento. “Já me alertaram sobre isso. Me disseram assim: ‘Olha, o pessoal que pesquisa sobre a Segunda Guerra, que estuda esse período, geralmente é muito conservador. Eles podem não gostar, podem se incomodar com o material’.”
Sobre Natal na Segunda Guerra
Além da trama, um dos pontos que mais enche o autor de orgulho é a pesquisa e a imersão no período. Cada detalhe da Natal dos anos 1940 foi pensado: desde as roupas, os costumes, até os sabores e cheiros. “Tem um capítulo que se passa em junho, na época de chuvas. Aí descrevo como as pessoas tiravam os casacos do baú para se exibir na rua, porque aqui só usamos casaco nesse período de muito frio ou chuva. E os homens preocupados em não sujar o sapato na lama do calçamento”, detalha.
A gastronomia local também é personagem na obra. Frutas como a mangaba aparecem em cenas cheias de humor e sensibilidade. “Tem uma situação engraçada com um americano que não conhecia a mangaba. E também falo da canjica, que eles experimentam numa festa junina promovida no aeroclube. Eu fiz questão de mesclar pratos americanos com os nossos pratos típicos, mostrando esse encontro de culturas.”
A saga para publicar
Se escrever foi um desafio cheio de descobertas, publicar foi uma maratona de obstáculos. A primeira estratégia foi procurar editoras tradicionais. “Mandei pra todas: Rocco, Record, Companhia das Letras… Nenhuma respondeu. Nenhuma, nem pra dizer que recebeu”, conta.
Quando percebeu que não teria retorno das grandes, partiu para editoras menores, inclusive aquelas focadas no público LGBTQIA+. Mas, para sua surpresa, o silêncio foi o mesmo. “Foram quatro anos recebendo não-respostas. As únicas que retornavam eram prestadoras de serviço, que cobram para publicar. Cheguei a receber orçamento de 30 mil reais… E, claro, eu não tinha isso.”