Todo mundo espera alguma coisa de um sábado a noite, pelo menos esperava algo de “Agente Secreto”. Filme consolidado em Cannes do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho e fez com que o ator baiano Wagner Moura conquistasse o prêmio de melhor ator. Além disso, o marketing do filme teve forte apelo ao carnaval, uma vez que passara em fevereiro; tem a presença de três atores potiguares (Kaiony Venâncio, Alice Carvalho e Tânia Potiguar) e, por fim, o forte apelo para continuar o legado de “Ainda Estou Aqui“na Academia Norte-Americana de Cinema.
Falei deste último e não associou, não é mesmo? Estou falando simplesmente do Oscar. Mas, ela não é uma obra para americano ver e está longe daquele clima Hollywoodiano muito menos europeu.
A obra de KMF é um prato cheio para quem quer entender o Governo Militar no Nordeste (achava que os torturados eram no Sudeste é?), a recepção dos filmes estrangeiros, o universo do cinema de rua, lendas de Pernambuco (como a Ursa) e também como uma pesquisa do século XXI conseguiu contar essa história por meio de arquivos de jornais.
No entanto, o que poderia ser uma história interessante com pontas bem amarradas não foi bem executado. O filme tem três horas de duração e, assim como todas as obras do pernambucano, é dividido em três partes, sendo a segunda a melhor e cheia de reviravoltas com coadjuvantes roubando cena.
A história narra a vida de Marcelo, interpretado por Wagner Moura, que parte de Brasília para Recife com seu fusca amarelo. A primeira cena mostra indo ao posto Esso decadente para colocar gasolina enquanto um frentista está só diante de um corpo estirado no chão há dias.
O funcionário desabafa ao Marcelo que a causa mortis por uma briga e que o autor do crime fugiu para “brincar no carnaval”. Neste meio período, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) chega e vai inspecionar o automóvel amarelado. Então, o espectador já começa a entender pelo semblante do personagem que ele está fugindo de alguém. Após não constatar algum erro, eles subornam Marcelo e o mesmo oferece uma carteira de cigarro. A corporação deixa o posto e o corpo que estava na calçada continuara a esquecido.
Durante os créditos iniciais mostra que Marcelo era um rapaz casado com fotos de sua esposa, interpretada por Alice Carvalho; além do filho dos dois. Então, ele chega em Recife e recebe acolhimento de Sebastiana (Tânia Mara) que é síndica de um condomínio e aluga um apartamento que pertenceu a sua então sobrinha misteriosa. Rapidamente, a dona do prédio já apresenta os vizinhos, como a vizinha desquitada e dentista (Hermila Guedes), que também é mãe solo.
Ainda tem o casal de angolanos refugiados da Guerra Civil, um adolescente homossexual que fugiu do pai LGBTfóbico e dentre outros personagens que no período de chumbo eram vistos como personas non-gratas.
A medida que o filme avança descobrimos que o filho de Marcelo está vivendo em Recife com os avós enlutados e que a esposa faleceu (há cena do corpo jogado numa represa por ser contra o regime). Para se manter, o protagonista arranjou emprego numa espécie de que seria a Central do Cidadão no RN, sendo responsável pela emissão de carteira de identidade.
Juntamente vem a história dos policiais corruptos, como o delegado e seus comparsas que omitem os casos de assassinatos. E, por cima, omite crimes para que a imprensa não possa noticiar no Diário de Pernambuco, um dos principais jornais existentes de Recife e que na época era defensor ferrenho da Ditadura Militar.
Por ser um órgão da Polícia Civil, ele rapidamente conhece esses policiais que simpatizam com o “Marcelo”. Coloquei aspas que é agora que descobrimos quem é o personagem, um foragido do Regime Militar após ter peitado um funcionário da Eletrobrás que queria roubar seu projeto de pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Após a briga, ele e a família vão à força de se mudar de cidade e são vítimas de perseguição, fazendo com que sua cabeça estivesse a prêmio.
Então, após uma hora de introdução, vem a parte da ação do filme que exibe Marcelo indo ao trabalho do sogro, Cine São Luiz, para trazer uma sensação de paz e confabular com os seus aliados (um grupo paralelo de privilegiados para proteger testemunhas) o próximo passo.
O São Luiz, tradicional empresa da rede Severiano Ribeiro (hoje dona da rede Kinoplex), já foi tema do documentário “Retratos Fantasmas”, no qual enfatizou a importância dessa sala para apaziguar as suas angústias e anseios. Lá, a gente entendia quais eram as obras que estavam passando e a recepção do público recifense acerca de “Tubarão” e “Profecia”. É no cinema que ele analisa se Fernando, seu filho, vai ver a obra de Spielberg ou se vai realmente criar passaportes falsos para fugir do país.
Mas, o que era para ser um ambiente de prazer vira de angústia, quando o cerco está fechando e os matadores contratados pelo servidor da Eletrobrás chegam a Recife pagando os funcionários do cinema para perseguir não só Marcelo, mas também seu sogro. Além disso, os matadores contratam o estivador Valmir, feito brilhantemente pelo potiguar Kaony Venâncio, que, na verdade, trabalha como matador de aluguel quando está de folga do porto de Suape.
Os 10 minutos de tela fizeram rapidamente roubar a cena, trazendo um equilíbrio entre alívio cômico e cenas de ação. É nesta hora que esperamos reviravoltas estilo Bacurau, porém sem um final empolgante.
A obra se encerra com final apressado e sem muitas respostas para saber o que houve com os outros participantes, além de entender o porquê chegaram neste final. Isto, no entanto, não quer dizer que é ruim, mas quem estava com muita expectativa de superar “Bacurau” ou “Aquarius” poderá se decepcionar.
É só um relatório de Kléber Mendonça Filho de como foi a ditadura em Recife na década de 70, quebrando o estereótipo de quem só sentiu mesmo foi o Centro-Sul do país e denunciando mais uma vez a xenofobia do país.


