Dois jornalistas negros foram demitidos por falar de suas ideias progressistas em Natal, qual ideia de futuro que estamos dando aos jornalistas não-brancos?
O Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Decom/UFRN) passou por mudanças bruscas em duas décadas, de professores que eram donos de jornais a acadêmicos que dedicaram a vida toda nas leituras filosóficas. De um lado, trazendo o que é prático e com opiniões conservadoras. Do outro, a teoria e ideias mais progressistas sobre como seria uma redação ideal. Era normal, nos 80 e 90 na época, que os melhores alunos ou seguissem as suas opiniões fossem para as grandes redações.
Esses fieis tinham dois caminhos: mergulhar completamente na opinião dos seus mestres ou desistir completamente da profissão.
Por isso, a maioria dos jornalistas que são, de fato, de classe média, estão em assessorias de imprensas de políticos poderosos e conservadores, em um órgão que tem muitos poderes ou supostamente realizou alguma atividade que fere o código de ética do consumidor. Quando digo políticos conservadores, comento de famílias tradicionais que estão há anos no poder, acreditam que o dinheiro vem antes do progresso e estão em partidos de direita.
Para estes jornalistas, é benéfico este conservadorismo, visto que eles vão ganhar 4 a 10 vezes a mais que o piso salarial, colocarão seus filhos nos colégios mais caros da cidade e vão sonhar para que os rebentos não sigam as suas profissões alegando dificuldade.
Contando a história da formação dos jornalistas nos últimos 20 anos, vem a minha geração. Entrei em 2011, na UFRN, período que estava passando por um turbilhão de emoções políticas. Eram protestos para a derrubada de Micarla de Sousa como prefeita, Revolta do Busão, as jornadas de 2013, Golpe de 2016 e um turbilhão de pensamentos. Naquele momento, poucos repórteres enfrentaram seus patrões para falar a verdade e não a opinião da polícia.
E os jornalistas negros?
Claro que a classe jornalística se dividiu, assim como os cidadãos brasileiros. Com o desemprego do governo Temer e Bolsonaro mais a pandemia, alguns preferiram falar em alto que eram de esquerda se arriscando em nunca mais trabalhar em redação, outros assumiram serem conservadores (dando a direito de soltar os preconceitos) e outros tiveram que se calar para sustentar uma família.
Conta-se nos dedos quem eram jornalistas negros no mercado da cidade, no qual estava nessa miscelânea de conflitos e tinha que escolher quais. Enquanto as redações tradicionais, estava cada vez mais preocupada com lucro, no qual preferia três repórteres numa redação exausta para manter seu lucro. Logo, era normal, jornalista fazer permuta de clínica de estética, supermercado, carro e outras coisas que não estão no código.
Foi neste período que repórteres como Hugo Vieira e Tiago Rebolo (foto) surgiram no mercado jornalístico. Dois homens negros, de origem humilde (e periférica) e sabem do que estão falando, porque eles vivem e vivenciam. O objetivo era quebrar esta zona de conforto, se esforçando para exercer a parte bonita e verdadeira da profissão. Pessoas que literalmente começaram do zero na profissão.
Mas, a opinião de suas vivências fez com que eles fossem demitidos, perdendo os seus ganhos. Mostrando, portanto, o racismo velado das redações de preferir uma redação que pensem como eles, agem como eles e do que um profissional que pode até seguir os mandamentos do chefe, porém precisa questionar.
E agora?
O que vamos ensinar aos jornalistas negros que estão se formando? Tem que ficar calado para ganhar, no mínimo, R$ 2000? Não utilizar algum adjetivo a garota-propaganda do supermercado? Ter medo dos jornalistas experientes quando estiverem errados?
Essa demissão merecia uma mínima nota de repúdio do Sindicato dos Jornalista e um processo na justiça trabalhista. Mas, como todos os jornalistas progressistas já sabem: mais uma impunidade.