Em abril deste ano, a cantora Titane lançou o disco “Titane canta Elomar”. O trabalho da artista é o primeiro álbum da música brasileira dedicado inteiramente ò obra elomariana por uma voz feminina e traz novo colorido às harmonias e empresta sua voz a personagens elomarianas dos grotões da bahia, “homens inquietos, que saem pelo mundo, e mulheres nordestinas fortes, tão inquietas quanto eles, mas que sofrem e seguem em permanente busca com uma dor no peito. O resultado dessa amálgama entre o sertão de Elomar e o cerrado de Titane é um encontro de Titãs que celebra outros encontros.
Partindo do violão original do autor, executado com excelência por Hudson Lacerda (violões e charango), os arranjos coletivos contaram também com a colaboração de Toninho Ferragutti (acordeon), André Siqueira (bouzouki) e Aloízio Horta (contrabaixo). Como convidado em uma das canções, está o violeiro Pereira da Viola.

O encontro da cantora mineira da cidade de Oliveira e do compositor baiano de Vitória da Conquista promove uma aproximação de universos diferentes, mas complementares, do ancestral com o contemporâneo, do sertão com o cerrado. Mas esta não é a primeira homenagem para Elomar feita neste ano e tem um quadrinho feito por potiguares em homenagem à esse cancioneiro.

Em Natal, o quadrinista e roteirista Marcos Guerra transformou a ópera em um quadrinhos, no qual arrecadou dinheiro através de uma campanha no Catarse (mais detalhes nesta matéria aqui), no qual a obra demorou dois anos para ficar pronta. Além de guerra, o trabalho contou com o apoio da designer Edinara Medeiros. Para o quadrinho, Elomar acompanhou todo o processo de produção do trabalho, página por página, juntamente com a produtora do músico, Rossane Nascimento.
A capa da arte é essa daqui:
Tudo começou quando Guerra conta que entrou em contato com a obra de Elomar pelos álbuns da série Cantoria, lançada pelo selo Kuarup Discos e que, além de Elomar, trazia ainda composições de Geraldo Azevedo, Xangai e Vital Farias. Foi a fagulha inicial pra ir atrás da discografia solo de Elomar e das árias do Auto da Catingueira, espalhadas por vários discos do cantor até serem reunidas em um álbum só, em 1983.
Guerra é formado em artes plásticas na UFRN e fundador do selo editorial e comic shop K-ótica. Pela editora, lançou diversos trabalhos, entre eles, as grafic novels “O Evangelho Segundo o Sangue” (2014) e “Lovenomicon” (2015).
O disco citado acima está disponível em todas as plataformas digitais.
Sobre o Auto da Catingueira
O Auto da Catingueira é uma ópera nordestina, lançada como disco nos anos 80, de autoria de Elomar Figueira Mello (também conhecido apenas pelo primeiro nome). Hoje, o álbum é bastante cultuado pelos admiradores da cultura nordestina.
A obra narra a trajetória de Dassanta, mulher mais bela que a própria morte e que pode também ser uma espécie de avatar da caatinga, desde seu nascimento passando por suas aventuras sobrenaturais até o fim da vida, que culmina com o terrível combate entre dois violeiros apaixonados, Chico das Chagas e o Cantador do Norte.
Escrito em cinco atos, o “Auto da Catingueira” é construído em linguagem dialetal, que mescla a expressão regional nordestina com a preservação ibérica, no sertão baiano. Narra a saga de Dassanta, pastora de cabras; de seu mundo real e mítico; e as paixões que inspirou, com sua beleza que “matava mais qui cobra de lagêdo”.
Após apresentar os personagens, o meio ambiente onde vivem, suas angústias e seus desejos, seus modos peculiares de vida, o Auto nos brinda com um surpreendente duelo pelo amor de Dassanta. No maior desafio já escrito da música brasileira, traz, em lugar das espadas e floretes das óperas europeias, a disputa entre cantadores que, com suas violas, fazem um desfile memorável de mais de uma dúzia de estilos diferentes, como a parcela, o coco voltado e a tirana, gêneros quase extintos.
Sobre Elomar Figueira Mello
Elomar nasceu na Vitória da Conquista, no interior da Bahia. Seus tempos vivendo na Fazenda São Joaquim lhe ajudou a inspirar nas suas músicas. Estudou entre o sertão e a capital e mais tarde, no final da década de 1960, formou-se em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Teve também uma passagem rápida pela Escola de Música dessa mesma Universidade. Até hoje, ele vive maior parte do seu tempo em fazendas.
Elomar tornou-se historiador de seu povo e sua crença. Passou a cantar a caatinga e o sertanejo. Compôs 11 óperas, 11 antífonas, quatro galopes estradeiros, um concerto de violão e orquestra, um concerto para piano e orquestra, um pequeno concerto para sax alto e piano, uma sinfonia, 12 peças para violão-solo e um cancioneiro de oitenta canções, a maioria já gravada.
Suas músicas ficaram conhecidas na década de 70 e os seus discos são raríssimos. O cantor raramente fornece entrevista. Tem passado grande parte da vida cuidando dos seus animais, balizando cercas, montando cancelas. E, sempre, compondo.